Conecte-se com a gente

Novos Diálogos

Carta de amor ao meu inimigo 4

Especiais

Carta de amor ao meu inimigo 4

Em respeito à sua mãe

Meu querido inimigo,

Escrever para você não é tarefa fácil, mesmo que seja carta de amor. Tentando amar o inimigo, me sinto como o pescoço que recebe ordens de amar a bota que lhe pisa.

Já falei que lhe acho mais um farsista e seu discurso fascista de ódio seria estratégia para se manter na política. Mas você escolheu a imagem de opressor e a sua fala é machista, misógina, violenta, no mínimo constrangedora até para as mulheres que lhe apoiam, e pensei na sua mãe, com toda a ternura que ela merece.

Essa semana fui ao supermercado e assisti a uma dessas conversas sobre política, entre dez funcionários, cinco homens e cinco mulheres. E lamento informar que você estava sendo derrotado, havia somente um funcionário que lhe defendia, argumentava, se orgulhava de votar em você e era homem, macho. Então, você perdia de nove a um.

A certa altura, me intrometi na discussão e o confrontei com toda a delicadeza: “Você tem mãe?”, e ele respondeu:  “Tenho”. Impulsivamente, eu afirmei: “QUEM TEM MÃE NÃO VOTA NELE”. E na minha cabeça virou um slogan que gostaria de colocar na camisa.

Mas, engraçado, saí com a terna imagem de sua mãe, sabendo que ela sim, lhe ama, do jeito que você é. Óbvio que as frases sobre mulheres que não merecem nem ser estupradas (por serem feias? feministas lindas merecem?), ou que sua única filha mulher nasceu por fraqueza sua, ou que a licença maternidade prejudica a nação, ou que mulheres devem mesmo ganhar menos do que os homens, e o descalabro, o qual parece uma concessão, das mulheres andarem sempre armadas, são frases constrangedoras para qualquer mulher, inclusive sua mãe.

Mas foram frases impulsivas, garantem os seus admiradores. As mais incômodas, para mim, foram a defesa da tortura de mulheres durante a ditadura, e a que disse que cadeia é como coração de mãe.

Quero entender bem. Sua proposta de governo passa por piorar as condições de trabalho feminino, diminuir ou extinguir a licença maternidade, admitir a tortura, inclusive de mulheres, armar a população (inclusive a feminina) e aumentar as prisões? Uma cela superlotada, geradora de mortes, é um coração de mãe? Sempre cabe mais um? Seu projeto de segurança não passa por moradia, educação, emprego? Somente mais repressão? Fico até com medo que você institua um Ministério da Tortura, se for eleito.

Mas voltemos aos homens que não pensam em suas mães e nas poucas mulheres que pensam em votar em você apesar de. Parece que elas dividem as mulheres em femininas e feministas, de quem são inimigas. Não lembram nunca que nessa sociedade androcêntrica e patriarcal elas só poderão votar em você porque as feministas que atacam conseguiram o direito ao sufrágio. Para conseguir esse e outros direitos, que ainda lhe são negados estrutural e culturalmente, mulheres lutaram, sofreram e morreram, e essas eram as feministas. Mas todas se beneficiaram.

Talvez o nosso machismo cultural, o qual explica grande parte do apoio que você recebe de homens e mulheres, seja do medo dessa capacidade de resistência feminina. Talvez precisemos criar o termo “ginofobia” ou “histerofobia” para melhor entender o preconceito dos machos. Mas tenho certeza de que sua mãe e sua filha lhe amam, destino das mães, e lembrei do poeta popular, repentista, e de seus versos:

Qualquer mãe por qualquer filho

Se encontra no mesmo amor

A mãe de Cristo e de Judas

Sofreram a mesma dor

Uma pelo filho santo

A outra pelo traidor.

Sua mãe deve lhe amar muito, até porque o amor de mãe não tem limites. Exatamente como a mãe de um bandido. Mas, quem tem mãe não pode votar em você, meu querido inimigo. Como pastor, eu não tenho coragem de desejar para sua mãe, ou filha ou esposas, dez por cento, o dízimo, do que você deseja para as mulheres.

Estou achando essa carta grande demais, mas vamos e venhamos: a melhor maneira de sua mãe lhe amar é lutar para que você mude esse jeito e esse discurso e desista dessa mania de querer ser presidente. Não vai ser bom para o Brasil, nem para você e nem para as mães.

No aprendizado do amor

Marcos Monteiro, pastor batista.

Assessor de pesquisa do Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão (CEPESC). Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana (BA) e e do grupo de pastores da Primeira Igreja Batista em Bultrins, Olinda (PE). É membro da Fraternidade Teológica Latino-americana do Brasil e da Aliança de Batistas do Brasil. Escritor, editor e articulador na Editora e Rede Curviana.

Clique para comentar

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Mais em Especiais

Subir