Amar ao próximo, sem exclusões: desafio para os tempos de ódio
“Procurarás a justiça, nada além da justiça”. (Dt 16.11-20)
“É cilada confundir vingança com justiça”. Essa frase foi repetida várias vezes por Marcelo Yuca, falecido no dia 18 de janeiro de 2019, aos 53 anos. Sua morte prematura se deu provavelmente em consequência das sequelas dos tiros que levou ao tentar evitar um assalto a 19 anos atrás, e que o deixou paraplégico entre outros problemas de saúde.
Mas a violência sofrida não o levou a busca pela retribuição cega. Pelo contrário: ele investiu seu talento e seus esforços na busca de soluções pacíficas para conflitos, e na garantia de Direitos para todas as pessoas, inclusive àquelas em situação de privação de liberdade.
A questão é que sempre que um indivíduo ou uma sociedade passam a se guiar pela noção de vingança como resposta a violência, é como se tentássemos apagar um incêndio com gasolina “Abismo chama abismo ao rugir das tuas cachoeiras” diria o salmista (Salmos 42:7 ).
O chamado dos homens e mulheres de boa vontade permanece o mesmo expresso na sabedoria acumulada do povo de Deus: “Procurarás a justiça, nada além da justiça” (Dt. 16:20). Embora, inflamados pelo medo ou mesmo pelo sentimento de perda pessoal, nossos desejos possam nos levar facilmente a confundir Justiça com justiçamento, o restante do texto nos faz lembrar que é fundamental a empatia: “lembra-te que foste escravo no Egito”. Tentar se colocar no lugar do outro, da outra, compreendendo sua história, muitas vezes marcada por impossibilidades e abandonos, nos deve levar a desejar que a justiça seja exercida na perspectiva da reparação e da reabilitação.
Nesse cenário, a Semana de Oração Pela Unidade Cristã (SOUC), que nesse ano reflete a experiência das irmãs e irmãos da Indonésia, país cujo uns dos princípios orientadores é a “Humanidade justa e civilizada”, exige que olhemos para nosso país e pensemos o quanto estamos dando espaço para que o discurso de ódio esteja presente não apenas nas discussões sobre redução da maioridade penal, sobre penas alternativas e outros temas do campo penal, mas até mesmo a teologia e na pastoral o ódio aparece como resposta primeira, segunda e última!
Mas este nunca é todo cenário: para além da instrumentalização do ódio inclusive como ferramenta política, existem os exercícios concretos de comunhão e solidariedade na prática das comunidades. Como aconteceu no crime ambiental de Mariana, novamente no crime Ambiental e na tragédia humana de Brumadinho comunidades de fé tem se colocado a serviço dos que sofrem, sem se importar com as diferenças de denominação ou de religião.
Ao longo do ano, as igrejas nos regionais do CONIC seguem dando as mãos em oração, e também em iniciativas por justiça alimentar, de raça, gênero, etc. E como sinal forte desse desejo de comunhão, a SOUC segue como oportunidade de expandir os laços entre as igrejas locais, e de fortalecimento dos espaços ecumênicos institucionais e humanos. Mas não só com as igrejas: com toda a sociedade, pois o tema da justiça não é uma exclusividade nossa: segue, pois, o desafio de trazer para a mesa todas e todos que desejem a busca pela paz, que como bem sabemos, só é possível com justiça.
Por fim, lembrar que como gesto concreto, as ofertas levantadas durante a SOUC são estratégicas no sentido de ajudar na manutenção dos regionais do CONIC (que ficam com 40% das ofertas) e também o Nacional (que fica com 60%). Lembrando que sem a animação de ambos, certamente a SOUC não teria a dimensão que tem alcançado – e que pode e deve se ampliar.
“O povo confunde justiça com vingança. O idiota confunde poder com arrogância” dizem os versos da canção de Marcelo Yuka em seu CD lançado em 2017 “Canções para depois do ódio”. E ele explicou assim seu trabalho “A minha maior ideologia é o amor, estou convicto disso, de que o afeto é um ato político”. Em tempos onde há quem espalhe a mensagem de um deus que odeia e mata, voltar a simplicidade do Evangelho de Jesus Cristo onde “amar ao próximo como a si mesmo” é a única verdadeira prova de uma fé no Deus da Vida.