Manifesto dos Ministros Batistas do Brasil (1963)
A Ordem dos Ministros Batistas do Brasil, entidade que congrega os pastores que servem às Igrejas da Convenção Batista Brasileira, em sua última Assembléia Geral, realizada na cidade de Vitória, Estado do Espírito Santo, resolveu apresentar à Nação Brasileira e à Denominação Batista em particular, o seguinte
MANIFESTO
Reconhecemos ser um privilégio dos batistas brasileiros a infindável responsabilidade de contribuir não somente para a solução dos problemas que no momento assoberbam o nosso povo, como também para a determinação do seu destino histórico. Não o afirmamos apenas porque sejamos uma parcela apreciável desse mesmo povo, mas porque entendemos ser essa participação inerente à missão de “sal da terra e luz do mundo”, que o Senhor mesmo nos outorgou.
Nossas preocupações estão em consonância não só com as dos profetas bíblicos, que se constituíram nos intérpretes da vontade de Deus para os seus povos nos momentos de maior gravidade de sua história, como também do próprio Cristo, que além de partilhar, quando da encarnação, na sua inteireza a condição humana, afirmou ser o seu Evangelho uma resposta satisfatória a todos os anseios da criatura, e uma solução cabal para todos os problemas da humanidade (Lucas 4:16-21).
Entenderam-no assim também Guilherme Carey, o pai das missões modernas e corajoso batalhador contra o sistema das castas na Índia; Roger Williams, o pioneiro da liberdade religiosa em nosso continente; Walter Rauschenbush, o arauto das implicações sociais do Evangelho; Martin Luther King Jr., o campeão da luta pelos direitos da minoria negra oprimida, e tantos outros batistas ilustres através dos tempos.
Resulta daí não só a legitimidade, mas também a necessidade de os membros das nossas igrejas assumirem as suas responsabilidades como cidadãos, participando efetivamente na vida política do país e integrando-se nas organizações de classe, a fim de influírem nas decisões de que resulta a configuração do nosso destino como nação.
Os direitos da pessoa humana
Ainda que reconheçamos a importância e a significação das instituições, acreditamos ser o homem o fulcro de nossas preocupações, porquanto “criado à imagem e semelhança de Deus”. Por isso entendemos estar a legitimidade de qualquer regime, sistema ou instituição condicionada na medida em que possibilita à criatura a plena realização da sua humanidade.
Esta convicção nos fez, desde sempre, intransigentes defensores da liberdade em todas as suas formas de expressão — liberdade de consciência, de religião, de imprensa, de associação, de locomoção, etc., bem como da autodeterminação dos povos desde que livremente manifesta — como condição imprescindível à vida humana.
Por corresponderem à nossa concepção de direitos e deveres da pessoa humana, insistimos em que os princípios a esse respeito consagrados na constituição Federal de 1946, na carta das Nações Unidas e na Declaração dos Direitos do Homem, sejam universalmente aplicados, de sorte a serem banidos da face da terra a exploração do homem pelo homem ou pelo Estado, em qualquer das suas formas, e os totalitarismos de toda espécie, assegurando-se a prática da verdadeira democracia.
Igreja e Estado
Inspirados no preceito bíblico “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mt. 22:21), temos propugnado pela existência de igrejas livres num estado livre, preconizando a delimitação inteligente e respeitosa das esferas de responsabilidade e ação da Igreja e do Estado, sem interferências abusivas ou relações aviltantes de dependência, embora permitindo a cooperação construtiva entre ambos. Por isso temos repugnado a concessão de privilégios ou favores financeiros destinados ao sustento e promoção do culto de quaisquer grupos religiosos.
Assim é que, entendendo ser o ensino religioso uma atribuição específica dos lares e da Igreja, consideramos imperiosa a reforma do dispositivo constitucional que estabelece o ensino religioso nas escolas mantidas pelo governo, que deverão continuar leigas, assim como é leigo o Estado que as mantém, para que não se propicie a criação de um clima de intolerância e de preconceito religioso em nossas instituições de ensino público.
Justiça Social
Embora nos regozijemos pelas conquistas sociais do povo brasileiro, reconhecemos a inadequação da presente estrutura social, política e econômica para a realização plena da justiça social, pelo que insistimos na necessidade de um re-exame corajoso, objetivo e despreconcebido da presente realidade brasileira, com vistas à sua reestruturação em moldes que possibilitem o atendimento das justas aspirações e necessidades do povo.
Essa necessidade ressalta da verificação da ineficiência dos institutos assistenciais do Estado, que transformam num favor concedido a custo, direitos líquidos dos trabalhadores; da irracional aplicação dos recursos públicos, que deveriam antes se destinar, mais liberalmente, aos ministérios da Saúde, Educação e Agricultura, para a solução de problemas sociais angustiantes; da sobrevivência de regimes feudais de propriedade e exploração da terra; da generalizada pobreza das populações carecentes do alimento indispensável à sobrevivência; da injustiça na distribuição das riquezas e da utilização destas para o cerceamento das liberdades essenciais; da inadequada exploração das nossas riquezas naturais, cujo aproveitamento não só deveríamos intensificar, como fazer revestir-se de significação social; do crescente empobrecimento do patrimônio nacional pela remessa para o exterior dos lucros extraordinários auferidos em nosso país; da corrupção que tem campeado nos pleitos eleitorais, na prática policial (quer preventiva, quer corretiva), na previdência social, no preenchimento de cargos públicos, na aplicação dos recursos sindicais, etc.
São ainda evidências daquela afirmação o tratamento meramente policial dado aos movimentos populares da cidade e do campo, que mereceriam ser antes objetiva e carinhosamente estudados para que viessem a ser orientados construtivamente para o bem geral, através do atendimento das suas justas reivindicações; como também aos movimentos de greve, que, se muitas vezes desvirtuados, se constituem, entretanto, num instrumento legítimo de reivindicação social e de preservação dos direitos dos trabalhadores, e que deveriam, por isso mesmo, ser objeto de uma cuidadosa regulamentação.
Embora afirmemos ser a renovação do homem, mediante a transformação da personalidade, operada por Jesus Cristo, o fundamento básico sobre que terá de se alicerçar uma sociedade realmente nova, propugnamos também pela realização de reformas de base na vida nacional, de sorte a possibilitar à criatura a concretização de seus legítimos anseios terrenos. Por isso preconizamos a promoção urgente de reformas tais como: a) reforma agrária, que venha atender às reivindicações do homem do campo explorado; b)reforma eleitoral, que venha liquidar as circunstâncias que possibilitam e estimulam os nossos maus costumes políticos; c) reforma administrativa, que ponha termo ao nepotismo, ao filhotismo e à ineficiência tão generalizada quanto onerosa dos serviços públicos; d) reforma da previdência social, que venha pôr em funcionamento as nossas leis sociais com o pleno reconhecimento e o efetivo atendimento dos direitos dos que trabalham.
Recomendação final
No cumprimento, pois, da missão profética que recebemos do Senhor, concitamos o Povo Batista Brasileiro a integrar-se cada vez mais no processo histórico da nossa nacionalidade, contribuindo para que o futuro corresponda aos desígnios de Deus para a nossa Pátria. Debrucemo-nos, portanto, sobre a realidade brasileira, procurando compreender-lhe os problemas, sentir-lhe as angústias, partilhando as suas dores. Busquemos nas Escrituras as soluções divinas para os problemas do homem. E, corajosamente, desfraldemos, em nome do Cristo, a bandeira da redenção total da criatura. Da redenção temporal e eterna do povo brasileiro!
Pela Ordem dos Ministros Batistas do Brasil, a Diretoria:
Presidente – José dos Reis Pereira
1o Vice-Presidente – José Lins de Albuquerque
2o Vice-Presidente – Hélcio da Silva Lessa
Secretário-Geral – Tiago Nunes Lima
1o Secretário – Irland Pereira de Azevedo
2o Secretário – José dos Santos Filho
Tesoureiro – Otávio Felipe Rosa
Bibliotecário – Tércio Gomes Cunha
Procurador – David Malta Nascimento”.
* Manifesto dos Ministros Batistas do Brasil, O Jornal Batista, Ano LXIII, Rio de Janeiro, 14 de setembro de 1963, No. 37, primeira página.