O padre de marreta e o pastor isentão
“No inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise”. ~ Dante Alighieri
A cena é digna de atos de denúncia dos profetas da Bíblia. Após ação eugenista da prefeitura de São Paulo colocando pedras em viadutos para prejudicar moradores de rua, padre Júlio Lancelotti surge de marreta na mão destruindo a lógica da arquitetura higienista do “moderado” Bruno Covas (PSDB).
O ato do Padre não foi meramente simbólico. Contudo, é inegável que carrega uma força imagética formidável. Tal imagem traz muitas outras luzes. Em tempos de fascismo santificado, genocídio asfixiante em Manaus, fake news, negacionismo gospel, denominações fazendo notas afirmando-se “apolíticas”, infiltração liberal tentando tornar o campo progressista uma linha auxiliar do neoliberalismo “esclarecido” de Rodrigo Maia, não há outra resposta possível que não seja a “teologia da marreta” do padre Lancelotti. Contra o fascismo e a eugenia dos governos que servem a Mamom, não funciona manifestações simbólicas com cartazes coloridinhos ou notinhas de repúdio. Aliás, já sabemos que esse tipo de “enfrentamento” parece pouco incomodar os podres poderes do capitalismo predatório.
Enquanto pastores se mancomunam e se lambuzam com os manjares de leite condensado de “Neronaro”, outros fazem de conta que é possível diálogo com o fascismo instalado na sociedade e nos bancos das suas comunidades de fé. Enfim, entre a coragem profética e suas posições, parece que seus bons salários são mais importantes que honrar o Evangelho de Cristo. Se o inferno está cheio de boas intenções, parte delas é não enfrentar a violência cristofascista em nome da manutenção de uma suposta “comunhão cristã”. Nesse sentido, é notório que viver a radicalidade da fé exige coragem. É dessa forma que Jesus peita os vendilhões do Templo, João Batista denuncia as raças de víboras vestidas com roupas sacerdotais e Paulo enfrenta o segregacionismo dos judaizantes.
Uma dica para pastores e pastoras muristas e isentões: sejam coerentes. Se querem chamar fascistas e racistas de irmãos e partilhar com eles a Ceia do Senhor, ao menos tenham a decência de parar de reivindicar a memória de Dietrich Bonhoeffer, Martin Luther King, Jr. e D. Pedro Casaldáliga. Quem nesses tempos sombrios transige com o neofundamentalismo que destrói o rico depósito da ética bíblica, em outros tempos não teria problemas em ter em sua fileira de membros a Ku Klux Klan ou agentes da SS nazista.
Em sua obra “Divina Comédia”, Dante Alighieri assinala profeticamente que os piores lugares do inferno serão ocupados por aqueles que escolheram a confortável posição do “murismo” diante do aumento da iniquidade. Aliás, conta-se que o pastor isentão recém-falecido abre seus olhos na eternidade e percebe que está em cima de um muro que divide o céu e o inferno. Ao caminhar sobre as paredes altas, encontra o diabo em pessoa. Curioso com a presença do Cramunhão, o pastor pergunta: “O que fazes aqui, oh, capeta?”. O Satã abre um sorisso no canto dos lábios e responde: “Ué, você não sabia que o muro também é meu?!”.