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Orgulho LGBTI+ e progressismo evangélico

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Orgulho LGBTI+ e progressismo evangélico

Orgulho LGBTI+ e progressismo evangélico

A revolta de Stonewall, ocorrida em 28 de junho de 1969, tornou-se, como afirma o teólogo André Musskopf, o marco mítico do Movimento LGBTI+ no mundo. Muitas de nós hoje, orgulhosamente, nos assumimos dissidentes sexuais e de gênero, nos colocando sob o espectro da diferença, da contradição, da antinorma. Somos o que somos! E nos orgulhamos disso! Mas qual o preço do nosso orgulho?

A tradição cristã tem sérios problemas com a palavra orgulho. Apesar de ter também seu significado positivo, usualmente, do ponto de vista da Bíblia, alocamos a palavra orgulho como antônimo de humildade. E aí é uma enxurrada de lições moralizantes sobre não ser orgulhoso, não ser altivo, não ser soberbo.

“Nós, porém, não nos gloriaremos além do limite adequado, mas limitaremos nosso orgulho à esfera de ação que Deus nos confiou, a qual alcança vocês inclusive”. (2 Coríntios 10:13)

“Quando vem o orgulho, chega a desgraça, mas a sabedoria está com os humildes”. (Provérbios 11:2)

E esse versículo, quantas vezes já não o ouvimos: “O orgulho vem antes da destruição; o espírito altivo, antes da queda!”. (Provérbios 16:18)

Acrescentar à palavra orgulho a sigla LGBTI+ provoca arrepio nos mais conservadores e fundamentalistas, mas não somente neles. Existe um progressismo evangélico em nosso meio que vem discutindo a presença de dissidentes sexuais em suas comunidades de fé. Me orgulho desse avanço! Quantas de nós fomos enxotadas dessas mesmas denominações de fé que hoje, orgulhosamente, afirmam incluir LGBTI+ em seus quadros de membros! Mas, sinceramente, quanto desse progressismo não esbarra na página 2 de seus códigos morais?

Somos progressistas, contanto….

contanto que não demonstre afeto ao seu parceiro durante os cultos,

contanto que não fique trazendo a pauta LGBTI+ para nossas discussões,

contanto que não venha querer liderar discussões bíblicas em uma perspectiva queer,

contanto que não queira ser líder de ministério,

que não queira consagrar os elementos da Santa Ceia,

e pelo amor de Deus, não me venha falar que quer ser ordenado pastor!,

contanto que não conte a ninguém sobre suas noites na sauna,

contanto que não venha com temas polêmicos, como o poliamor, BDSM, fluidez de gênero,

contanto que tenha um parceiro fixo, com ele se case e constitua família, mas será que poderia chamar outro pastor para celebrar o casamento?

 Somos evangélicos progressistas, respeitamos os direitos civis de dissidentes sexuais e de gênero, mas celebrar a sexualidade em nossos púlpitos? Convidar uma travesti para pregar? Emprestar o nosso templo para a ordenação de uma lésbica? Temos tantas pautas mais urgentes! Veja nosso contexto político! Operamos com a Teologia da Libertação, Teologia Feminista, Teologia Negra, Teologia da Missão Integral, como avançamos!

Avançamos até a página 2. Ainda somos reféns da moral teológica da humildade, que aprisiona o orgulho de ser quem somos no armário. Saímos com nossa sexualidade, mas somos obrigadas a deixar para trás a celebração, a festa, a orgia da vida!

Eu me orgulho de cada pessoa evangélica progressista que conheço. E são muitas! Nunca me senti desrespeitada, pelo contrário, respeitam minha biografia e minha teologia. Mas, por favor, não vamos enclausurar no armário pautas caras a uma existência mais justa e solidária, porque nosso sexo não cabe no púlpito.

Se orgulhem conosco, brindem conosco o orgasmo da vida, deixem que nossos órgãos sexuais entrem dentro do templo, espiem conosco o que Deus tem sob suas saias! Sejamos mais ousadas, mais indecentes, mais pervertidas, porque na roda da vida, todo corpo tem do que se orgulhar!

Entre a humildade e o orgulho, sempre escolherei o orgulho, porque conheço o preço que foi pago por ele. Sou lésbica e cristã, sou ministra do Evangelho, mas não do evangelho da igualdade, mas, como diz Marcella Althaus-Reid, do evangelho da diferença. O orgulho de ser diferente, de ser quem se é, de assumir nossas contradições, nossas ambiguidades.

Novos corpos dentro dos seus templos religiosos implicam em novas possibilidades teológicas, novas imagens de Deus. O Deus branco, cis-heterossexual, europeu que trouxe muitos de nós até aqui já não é mais suficiente para os projetos libertários que almejamos. Precisamos da imaginação criativa como recurso epistêmico e salvífico para avançarmos contra os violentos discursos e ações fundamentalistas. A revolução cultural conservadora que se instala requer de nós outras imagens de Deus que nos convoquem a criar caminhos outros de resistência, persistência e existência.

Estamos na página 2. Há muita história para ser escrita. Como o salmista orou, “seja a nossa língua como a pena de um hábil escritor”, afinal de contas nossas biografias são escritas com sangue e suor, mas também, com muitas cores. O cenário político, econômico, social e sanitário em que vivemos nos dá poucos motivos para que nos orgulhemos. Pelo contrário, nos envergonhamos do que fizeram com o Evangelho do Nosso Mestre Jesus, mas meu convite é para que pelo menos hoje, nós nos orgulhemos juntas do caminho que construímos até aqui, mas, ainda mais, dos caminhos que ainda temos que seguir. Caminho cheio de cores, purpurina, camisinha, corote, ah, e Bíblia também!

Jornalista e teóloga. Doutora em Ciências da Religião (PUC-MG). Pesquisa Religião e Política na perspectiva do ativismo queer. É clériga teóloga das Igrejas da Comunidade Metropolitana (ICM), em Belo Horizonte.

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