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Por que um cristão, especialmente evangélico, não deveria votar em Jair Bolsonaro?

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Por que um cristão, especialmente evangélico, não deveria votar em Jair Bolsonaro?

Por que um cristão, especialmente evangélico, não deveria votar em Jair Bolsonaro?

Este artigo pretende apresentar apontamentos diretos e objetivos com o intuito de ajudar na reflexão. Algumas explicações: A) são razões a partir do lugar da fé evangélica; B) não indico qualquer candidato/a específico/a, mas desestimulo o voto ao citado presidenciável. Ou seja, a ponderação é sobre em quem, entendo, NÃO deveríamos votar.
Comecemos:

1. A tradição protestante é historicamente ligada à formação do Estado Democrático de Direito. Para o surgimento da Modernidade, entre tantas outras coisas, a Reforma e seus desdobramentos foram fundamentais. Por isso, quaisquer discurso ou propostas políticas que insinuem perda de liberdade democrática, como ditaduras ou sistemas autocráticos, são totalmente contrários ao espírito da Reforma ou princípio protestante. Logo, as falas, honrarias a regimes e alguns personagens exaltados por Bolsonaro ferem a história do Protestantismo. Ainda nesse ponto, a maneira como o deputado, mesmo não sendo evangélico, pronuncia-se em relação a posições morais e religiosas sob as quais o seu governo se pautará, também, fere a separação radical entre Igreja e Estado como defendida historicamente pela tradição protestante. A eficiência de um político cristão, nesse sentido, não pode ser medida segundo sua defesa ou não de pontos como direitos homoafetivos, descriminalização do aborto ou qualquer outra questão de disputa na arena pública, mas à luz da sua capacidade de liderar com justiça, sabedoria, solidarização dos acessos e inteligência econômico-política, representando o povo e cumprindo sua obrigação nos limites do cargo (não há na democracia lugar messiânico, mas funções no Estado Democrático de Direito) para o bem comum e não em favor de um grupo específico – a igreja não precisa das benesses do Estado para sua sobrevivência. Cuidado: não podemos esquecer, ao discutirmos sobre família etc., que a Bíblia nunca exortou a respeito da falta de auxílio governamental para sua presença testemunhal no mundo, mas denuncia a respeito da mudança “para outro evangelho” (Gl 1.7).

2. Não seria recomendável votar no presidenciável citado porque defende, mesmo indicando trâmites na distribuição, o armamento da população. A fé cristã não é compatível ao uso de armas de fogo geradoras de morte. Não cremos que seja a violência o caminho rumo à proteção do cidadão e para a paz social. O uso de armas significa a aplicação de violência em casos de conflitos e descontrole emocional. O armamento, e tudo o que ele representa, é radicalmente contrário à proposta do Evangelho. Mt 5.9 diz serem bem-aventurados os pacificadores.

3. A Bíblia mostra-nos em diversos pontos que a principal lei é o amor, o qual não está desassociado da justiça. Isso delimita as fronteiras da interpretação do cristão em relação ao seu voto. Bolsonaro tem uma postura extremamente violenta e seus discursos são, no mínimo, contrários às orientações cristãs. Por várias vezes, mostrou-se violento em relação às mulheres, homossexuais e outras minorias. Para quem já acompanhou pastoralmente pessoas homoafetivas sabe que respostas como “ter filho gay é falta de porrada”, usada por Bolsonaro, representam total desconhecimento. E, além disso, revela insensibilidade às famílias e pessoas com as quais caminhamos em nossas comunidades. Falas como essas representam, sim!, posturas homofóbicas. Mesmo os que discordam das práticas homossexuais devem, no mínimo, escandalizar-se com esse tipo de pronunciamento. O presidente sob o paradigma do Estado Democrático de Direito precisa governar para todos e lhes garantir seus direitos – esse princípio é profundamente protestante/evangélico.

3.1. Ao lembrar as memórias de figuras como Ustra, o candidato filia seu discurso a pessoas que usaram a morte e tortura como meios de aplicação da justiça. Isso demonstra total incompatibilidade com as intuições do Evangelho. Ainda, a justiça e a equidade são dois princípios fundamentais no horizonte delineado por Jesus. Consequentemente, uma nação que estatisticamente tem alto índice de violência doméstica, feminicídio, assassinato de homens e mulheres por causa de sua orientação sexual, onde o racismo não está erradicado, a pobreza é fruto de profunda injustiça e em um país cuja distribuição (renda, terra, moradia) é pecaminosamente desleal, as falas do candidato mostram-se insensíveis e, por vezes, legitimadoras. Observando os profetas do AT e as escolhas de Jesus, percebemos o gritante descompasso entre as perspectivas do presidenciável aqui citado e a fé cristã. Além disso, o Evangelho mostra-se como defensor da vida e é base, mesmo que indiretamente, para diversas proteções individuais previstas entre os Direitos Humanos. Por isso, não podemos compactuar com qualquer candidato que carregue ideias de morte ou punição fatal. Assim, precisamos avaliar e escolher pelo/a candidato/a com propostas de políticas públicas razoáveis para a segurança (superando à ideia superficial e pecaminosa de morte), o que significaria agir contra o pecado das estruturas. Não é compatível ao seguidor de Cristo achar normal um candidato usar as expressões e posturas violentas como as instrumentalizadas pelo deputado Bolsonaro e continuar tendo-o como opção.

3.2. A teologia da graça permite pensarmos uma sociedade vinculada a relações não somente meritórias, mas vislumbra horizonte nos quais terra, casa, saúde, educação e outros direitos são partilhados aos incapazes, ou seja, aos brasileiros/as sem “méritos” econômicos. Qualquer projeto político estabelecido sob bases não comunitárias e “graciosas” será anticristão.

4. Não podemos votar em candidatos com indícios de problemas éticos. Mesmo defendido por seus seguidores como político honesto e irrepreensível, suas relações com políticos marcados pela corrupção (Cunha e outros), o uso (“para comer gente” – palavras dele) do auxílio-moradia e a possível utilização de assessoria fantasma balançam essa certeza e deveriam gerar desconfiança e crítica nos seguidores de Jesus. Além disso, percebemos nos pronunciamentos do candidato mudanças substanciais, beirando a instabilidade ou falta de consistência. Em relação aos poucos pontos econômicos e políticos por ele defendidos, notoriamente aparenta falta de coerência.

5. A Bíblia fala em governantes sábios, os quais possam liderar com temor e capacidade. Bolsonaro, mesmo depois de 27 anos na câmara, não se informou das questões básicas relacionadas à economia, desenvolvimento, dinâmica do sistema de governos etc. Ele representa o despreparo e a total falta de saber em relação aos pontos essenciais do funcionamento político-econômico do país. Mesmo com anos de mandato não demonstrou qualquer relevância. Por isso, as incapacidades teóricas e práticas desqualificam-no como possível governante à luz das expectativas bíblicas.

5.1 Seus votos como deputado também denunciam claro despreparo e falta de consistência: votou contra o plano real, contra o projeto de proibição de nepotismo no setor público, votou contra o projeto de teto salarial no setor público, votou contra o projeto para o fim da aposentadoria especial dos senadores e deputados, votou contra o projeto que daria fim à pensão para filhos de militares, votou contra o fundo de combate à pobreza e a favor do aumento do salário dos deputados e senadores. Sobre essa história parlamentar se estabelece o perfil político desse presidenciável e, naturalmente, impede a escolha dos seguidores do Cristo por esse tipo de político.

Assim, à luz dos argumentos acima, sinto-me, como seguidor do Evangelho e pastor, impossibilitado de votar em Jair Bolsonaro.

Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Pastor e professor na Faculdade Unida de Vitória (ES). Membro da Associação Brasileira de Interpretação Bíblica (ABIB) e da Rede Latino-americana de Estudos Pentecostais (RELEP).

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