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Direitos Humanos 70 Anos – Artigo 1 – Liberdade, igualdade e fraternidade
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Por Clemir Fernandes*
TEMPOS DE CERCEAMENTOS, DESIGUALDADES E ÓDIOS
É altamente significativo e fortemente simbólico que a Declaração Universal dos Direitos Humanos evoque em seu primeiro artigo o princípio fundamental da liberdade. Esta palavra potente e bela, tantas vezes vista como perigosa e que encerra em si uma espécie de anseio-manifesto perene e atento contra cerceamentos e tiranias, possivelmente seja o melhor definidor do que é – ou deveria ser – a condição humana. Pois liberdade e humanidade são termos justapostos e indissociáveis, que encerram a dimensão moral de razão e consciência inerentes ou singulares ao próprio ser humano.
Ainda nesta parte inicial da Declaração, a liberdade está diretamente vinculada à igualdade, este outro valor fugidio e (u)tópico, mas não impossível de realização, ainda que quase somente de forma aproximada. A igualdade é um direito tão distante quanto ser livre, mas, garantidos juridicamente tornam-se desafios permanentes pelos quais se deve lutar, com coragem militante e esperançosa, por sua efetivação. Para o bem, efetivo, de todas as pessoas!
Liberdade e igualdade são categorias éticas perigosas, porque revolucionárias, porém, no decorrer do tempo tornaram-se assépticas ou despojadas de seus significados radicais por interesses de controladores dos poderes político, econômico, midiático, cultural. Por isso, diante da realidade em que vivemos – neste contexto dos 70 anos da Declaração Universal – exige ressignificação de sentido e atualização de estratégias para novas lutas em prol de sua realização.
Completando a tríade de ideais fundamentais da Declaração o artigo 1º. salienta a fraternidade, uma palavra que pode ser vista, equivocadamente, como piegas ou pueril. No entanto, em meio a um mundo controverso de muitos fossos e poucas pontes, ela traduz a coragem de afirmar – urgente e permanentemente – a necessidade de se construir uma sociedade mais solidária a fim de que a paz, que é filha da justiça, alcance indistintamente todas as pessoas. Foi esse o moto dos revolucionários franceses de 1789, que escreveram uma declaração de direitos de onde advém, quase literalmente, este artigo em pauta. Ou seja, uma luta que vem de muito longe.
Setenta anos se passaram da proclamação da Declaração das Nações Unidas e ainda temos um mundo bem distante dos desejos e objetivos dos que a elaboraram. Porque lei ou princípios aprovados no papel são importantes, mas eles somente se aproximam de efetivação ou execução com lutas coletivas e esforços continuados. Um exemplo: Apesar dessa bela e importante estrutura de documentos sociais e legais, temos hoje mais pessoas vivendo em situação análoga à trabalho escravo que em épocas passadas quando a escravidão era considerada legal (Caldeira, A. Escravos e traficantes, 2013). A liberdade continua sendo agredida e ameaçada em muitos campos da vida política, civil, religiosa, cultural, como se verifica no Brasil e no mundo nos tempos atuais.
Também é fundamental continuar os empenhos contra a desigualdade pois esta é cretinamente rígida e se mantém forte, como se verifica pelos critérios: 1) econômico – poucos superlativamente ricos e muitos extremamente pobres, 2) cor ou etnicidade – brancos, com maior educação formal e em espaços de direção em contraposição a negros e índios, com menos escolaridade e em trabalhos precarizados, 3) gênero – homens e mulheres com absurdas assimetrias em termos de renda, trabalho doméstico, violência, pendendo sempre para a exploração feminina, 4) sexualidade – heterossexuais impondo-se sobre minorias LGBTTQ, obstaculizando seus direitos legítimos; entre muitas outras.
Quanto à fraternidade, mesmo considerando todo o conhecimento da história antiga e recente no tocante aos conflitos da humanidade e seus resultados devastadores, vide as duas guerras mundiais do século XX (para ficar neste trágico exemplo); ou as artes e todo saber acumulado que evidenciam e denunciam essa maldade terrível, vivemos tempos de violência crescente, intolerância multifacetada, xenofobia militante, desrespeito à diversidade e a novas identidades, agressão à dignidade humana, negação do contraditório, estupidez desconcertante.
Portanto, faz-se urgentemente necessário e imperioso reagir a toda essa barbárie renovada, sob inspiração crítica e releitura ampliada da liberdade, da igualdade e da fraternidade, a fim de se enfrentar tais paradoxos e injustiças deste contexto adverso. Embora seja uma premissa política de importância basilar a defesa destes valores na estrutura jurídica das sociedades modernas é preciso perceber que somente porque os seres humanos não nascem livres e nem iguais em dignidade e direitos, também porque não são efetivamente iguais e não vivem em fraternidade ou respeito que reconhece e oferece dignidade ao outro é que se torna fundamental reafirmar esses princípios críticos e desestruturantes para a construção continuada de outra realidade, isto é, um mundo menos injusto e mais belo para se ver e viver.
Os que são cristãos, devemos reconhecer que o Artigo 1º, de forma cristalina, converge com a vontade de Deus para as pessoas e o mundo criado por ele. Na ordem original de Deus, conforme as narrativas poéticas do Gênesis, temos um ambiente de liberdade, igualdade e fraternidade, que é rompido pela desobediência e repulsa humana ao projeto de plenitude de vida estabelecido por Deus. Toda a história que se desenrola é a do Criador buscando salvar o que se havia perdido. Por isso ele, e também por meio de seu Filho, nos chama a romper com a escravidão e viver a liberdade (cf Lv 25.10; Gl 5.1, 13, Jo 8.32).
De igual modo, num mundo injusto e ferido pela desigualdade a palavra de Deus nos chama a viver de maneira a antecipar a vontade boa e agradável do Senhor. Pois para ele, todos são iguais, não fazendo discriminação de pessoas (cf Dt 10.17; Rm 10.12; Gl 3,28). O princípio do jubileu (Lv 25) buscava restaurar a igualdade social corrompida pela maldade da cobiça e injustiça humanas. Neste sentido, a comunidade cristã de Jerusalém pautava-se por ensino semelhante de buscar a equidade entre as pessoas (At 2.42-47; 4.32-35). Foi esta, também, a recomendação explícita de Paulo: que haja igualdade entre os irmãos (2Co 8.14).
Num tempo de muita desconfiança, disputas acirradas, ódios extremados nas redes sociais e reais, violências diversas e gritantes somos desafiados a viver sob a ótica e sabedoria ética da fraternidade. A Bíblia está repleta deste ensino, pois, de fato, o melhor e mais saudável para todos nós é vivermos em união (Sl 133.1), apesar ou por causa de todas as nossas diferenças. Praticar a justiça, jamais planejar o mal e mostrar bondade ao semelhante, nosso irmão, é a orientação clara do Senhor (Zc 7.9, 10). Quando depender de nós, devemos viver em paz com todas as pessoas, não se deixando jamais vencer pelo mal, mas derrotando o mal com o bem (Rm 12.17, 21). Sobretudo no ensino e exemplo de Jesus aprendemos que devemos amar o próximo como a nós mesmos (Mt 22.39). Este amor deve ser na mesma dimensão e intensidade com que Cristo amou a todos nós! (Jo 13.34).
Assim, à luz da Bíblia, segundo a Declaração Universal a partir deste primeiro artigo, podemos afirmar que a promoção da liberdade, da igualdade e da fraternidade, enquanto direitos humanos, é uma missão divina, uma tarefa cristã para todas as pessoas que se dizem seguidoras de Jesus de Nazaré.
Neste sentido, oramos ao Deus que nos fez livres e que atua pela liberdade para que, capacitados por ele, sejamos instrumentos de libertação para pessoas que sofrem qualquer tipo de violação de direitos quanto à plenitude de sua liberdade. E oramos para que nós mesmos sejamos livres de religiosidade sem amparo bíblico que nos engana e nos leva a aniquilar a dignidade e o direito de liberdade do próximo.
Oramos também para que reconheçamos e tratemos nosso semelhante como ele é: nosso irmão, jamais com espírito demoníaco de superioridade ou inferioridade. Pedimos ao Deus, que é sobre todos e por todos, por menos desigualdade em todas as dimensões da vida social e por mais igualdade, com justiça e direitos entre todos.
Oramos por mais diálogo e menos divisão, clamamos a Deus para que que sejamos mais respeitosos e acolhedores dos diferentes, intercedemos ao Senhor da multiforme graça por mais perdão, reconciliação, misericórdia, paciência e amor. Sem negar, obviamente, a diferença, mas afirmar a beleza e a riqueza que há na diversidade, afinal ela é obra do Senhor.
*Pastor, sociólogo e membro da diretoria de Paz e Esperança Brasil
A Série Direitos Humanos em Devocionais é uma iniciativa de Paz e Esperança Brasil, composta de devocionais com sugestões de leitura bíblica e de orações em diálogo com os artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos que completam 70 anos em 2018. Para mais informaçoes sobre Paz e Esperança Brasil, acesse http://www.pazesperanca.org