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Cristofascismo à brasileira na eleição de 2018

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Cristofascismo à brasileira na eleição de 2018

Cristofascismo à brasileira na eleição de 2018

“O fascismo é uma fase histórica do capitalismo (…)
Uma forma mais nua, 
sem vergonha, 
mais opressiva 
e mais traiçoeira do capitalismo”
(Brecht)

Às vésperas do pleito eleitoral acaloram-se os debates, obrigando os candidatos a explicitar mais claramente seus posicionamentos. Alguns candidatos, alinhados ao conservadorismo, vêm demonstrando de forma mais aberta as posturas fascistas (1). Mais especificamente, percebo em tais posturas uma modulação de um cristofascismo à brasileira, praticado entre políticos cristãos quando carregam o vocabulário de táticas de combate aos inimigos da fé e da nação, atentando contra a “família” e a “paz da nação” em nome de Cristo. Prova dessa relação cristofascista são algumas das mais recentes expressões do projeto eleitoral justificado em nome da família “tradicional” percebida na atuação de dois candidatos nas campanhas eleitorais atuais: o deputado Marco Feliciano pelo Podemos de São Paulo, e o presidenciável Jair Bolsonaro, do PSC no Rio de Janeiro.

O que denomino como cristofascismo brasileiro é um reflexo do cristofascismo na Europa, um termo cunhado pela teóloga Dorothee Sölle, em 19702. Para sua autora, o cristofascismo seria uma “traição aos pobres, uma arma milagrosa a serviço dos poderosos (…) a serviço das famílias tradicionais do centro-europa preocupadas com a paz sem a paz incomoda Cristo”. Ela fundamenta o conceito ao abordar as relações de membros do partido nazi com as igrejas cristãs no processo de desenvolvimento do estado de exceção alemão. Para Sölle, as lideranças da igreja alemã ajudaram na construção do governo nazista, da mesma forma que, aqui, seguem favorecendo posturas preconceituosas na política contemporânea.

Evidentemente, creio que a relação entre cristianismo, conservadorismo e religião esteja sendo amplificada no pleito eleitoral de 2018, o qual vem sendo palco explícito de táticas virulentas contra minorias, contra diferentes expressões de gênero, contra os negros e índios amplamente apoiados pelo cristianismo hegemônico.

Cristofascismo em Marcos Feliciano: o “deputado da família”

Interessante que nas suas chamadas da candidatura, Marcos Feliciano já se designa “pastor” antes de se dizer candidato a deputado federal, deixando explícito a relação de religião-política na sua candidatura. Natural de Orlândia, interior de São Paulo, atualmente é pastor da Catedral do Avivamento (ligada à Assembleia de Deus). Já é deputado federal e foi filiado ao Partido Social Cristão (PSC). Agora está ligado ao partido “Podemos”. Foi líder da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados do Brasil, em 2013, no mandato de Dilma Rousseff, e, nessa condição, fez declarações sobre a homossexualidade, chegando a indicar que duas mulheres que se beijavam em público deveriam sair algemadas/pressas do lugar.

Outra expressão ligada ao seu cristofascismo ocorreu quando justificou teologicamente o “atraso” do continente africano. Argumentou tendo em vista a teoria da “Maldição de Cam”, que tem seus esboços nos séculos XVIII e XIX. A teoria justifica a escravidão imposta pelos protestantes no Sul dos EUA, afirmando que os africanos são amaldiçoados por serem descendentes de Cam, um dos filhos preteridos de Abraão. Se não bastassem esses elementos, em outro momento, ele crítica à luta histórica das mulheres por trabalho quando diz que “sua parcela como mãe começa a ficar anulada (…) Eu vejo de uma maneira sutil atingir a família”.

A linha central de seu racismo e preconceito religioso se molda em prol da defesa da família tradicional como se vê no slogan de sua campanha eleitoral atual: “A nossa família merece respeito”. A justificativa de Feliciano para sua intolerância se baseia na ideia da família tradicional idealizada de pais heterossexuais e filhos, buscando ao máximo ser identificado com ela. Para isso, diz ser o “pastor que defende da família brasileira”. Novamente, liga explicitamente a função religiosa de pastor com a arena eleitoreira. Em outro jingle, diz em tom bélico que “minha família merece respeito; é por isso que meu voto é para quem sabe guerrear”. Ou seja, sua proposição da família está absolutamente implicada com o tom de guerra para afirmação dela mesma contra seus verdadeiros “inimigos”, que seriam aqueles que defendem o “aborto e a legalização da maconha”.

Agora, voltando ao ponto importante. O candidato Marcos Feliciano a todo momento se designa “pastor” na campanha. Age de forma tendenciosa, pois em sua página no facebook dedicada à campanha eleitoral indica agendas de suas pregações confundindo diretamente a atuação no púlpito e os compromissos da campanha. Ou seja, mistura de forma explícita seu cristianismo fascista de ódio à pluralidade e às minorias com a agenda partidária. Promove essa grave mistura em prol da conservação da família tradicional se autodesignando: “deputado da família”.

Cristofascismo de Bolsonaro: defesa da família em prol da nação

Não se pode comparar o cristofascismo de Feliciano com de Jair Bolsonaro. Melhor, não se pode falar de cristofascismo à brasileira de 2010 para cá sem tocar no nome de Jair Bolsonaro, mesmo que ele não seja evangélico (maioria da bancada BBB), mas sim, católico. Contudo, o candidato busca reiteradamente a aproximação com a tradição evangélica. Afinal, em termos eleitorais, os segmentos evangélicos formam hoje parcela significativa da população brasileira. Também, não se pode esquecer que Bolsonaro é signatário da tradição intolerante formado nas fileiras da Ditadura Civil-Militar.

Um dos episódios de sua tentativa de aproximação se viu no debate na Rede TV, em 17 de agosto deste ano. O episódio, implicitamente, colocou em questão a disputa pelo voto evangélico e a concepção de laicidade do Estado brasileiro. No debate, Bolsonaro selecionou Marina Silva para perguntar sobre o desarmamento. Diante da resposta negativa da Marina sobre o armamento, ele então a julgou: “Temos aqui uma evangélica que defende o plesbicito para o aborto e para maconha”. Agiu de forma agressiva para com a candidata usando a pertença religiosa contra ela, isso porque os dois temas (o aborto e a liberalização da maconha) não são apoiados pelo público evangélico.

Na réplica, Marina o desafia por sua truculência. Diz: “(Bolsonaro) Você acha que pode resolver tudo no grito, na violência. Mas, somos mães. Nós educamos nossos filhos”. Na resposta, Marina faz referência aos gestos públicos do Bolsonaro “você fica ensinando para os nossos jovens que tem de resolver as coisas na base do grito (…) um dia desses pegou a mãozinha de uma criança e ensinou como é que faz para atirar”. Bolsonaro, sentindo-se diminuído com a resposta da Marina afirmou: “Leia o livro de Paulo!”. Para os não-cristãos a interjeição pode parecer casual. Para os cristãos, a fala de Bolsonaro revelou um ponto crucial de todo seu preconceito. Ao falar sobre o livro de Paulo, estava se remetendo às passagens relacionadas explicitamente sobre silêncio das mulheres ou sobre a importância das mulheres ficarem caladas.

Ou seja, usando a linguagem religiosa (logo, cristofacista) diante de um debate público, Bolsonaro manda Marina Silva se calar, utilizando um símbolo religioso da tradição da tradição evangélica isto é, os textos do apóstolo Paulo. Claro, ele erra a dizer “o livro de Paulo”, porque não existe um livro de Paulo. Na verdade, são vários. E, uma parte trazem, de fato, indicações sobre o silenciamento feminino (como: 1Timoteo, 1 Coríntios, Efésios, 1Tessalonicenses). Contudo, mesmo que, em uma prova de sua tentativa de aproximação com o setor evangélico seja artificial, está dizendo que as mulheres não devem discutir publicamente perto de um homem.

Por fim, quero destacar outra aproximação que buscou fazer com o público evangélico. Essa, julgo ser mais grave. Ocorreu no domingo dia 19 de agosto de 2018, quando foi chamado a ir à frente do pílpito frente da Igreja Batista Atitude pelo pastor presidente da igreja, Josué Valandro. Na ocasião, o pastor refere-se ao candidato como “meu deputado”, indicando explicitamente sua opção de voto por ele no púlpito da igreja. Na oração, o pr. Josué Valandro diz que Bolsonaro tem “valores cristãos” e que, embora não seja protestante, “é amigo da igreja evangélica”. Mostra com isso que existe também uma vontade de lideranças das grandes corporações evangélicas com o projeto truculento fascista do candidato – tal como ocorreu no continente europeu no passado.

O mais sério ainda foi quando o sacerdote concedeu a palavra a Bolsonaro por trinta segundos. Naquele momento, o candidato se disse emocionado e que jamais tinha pensando em estar nessa posição em que se encontrava. Afirmou: “Eu tenho a paz dentro de mim, e graças a Deus, eu tenho uma família maravilhosa na figura da minha esposa (…) nós temos que unir esse país, nos temos que valorizar a família, fazer com que as crianças sejam respeitadas na aula, devemos varrer o comunismo do Brasil”. Encerrou sua fala com a emblemática frase: “o Estado pode ser laico, mas eu sou cristão”. Novamente, o pequeno dito do candidato tem vários elementos em que busca se vincular ao público evangélico. Junto à valorização da família, busca unir o país, supostamente sob o pretexto de cuidar das crianças contra a ideologia de gênero e o comunismo. Nessas poucas palavras, Bolsonaro se aproxima do raciocínio das mentalidades dos tempos da Ditadura Militar. O candidato repete a velha fórmula ao utilizar o medo e a paranoia injustificada, localizando uma absurda ameaça comunista no Brasil. Na linha de pensamento de Bolsonaro, tudo deforma a “família” tão cara para a nação brasileira. Em defesa da família e da nação deve-se varrer o comunismo do Brasil. Um discurso de ódio que era muito bem cabível aos tempos da Ditadura civil-Militar.

A partir da fala de Bolsonaro, percebe-se que na eleição vem brotando uma nova modalidade no vocabulário tático do cristofascismo à brasileira. Ele, que é tão central, virou slogan da campanha do Bolsonaro: “O Estado pode ser laico, mas eu sou cristão”. Recita o slogan estrategicamente, diante do público da igreja afirmando o beneficio cristão na sua candidatura a presidência da república. Aciona, assim, todos os beneficios dados aos cristãos desde a formação brasileira como a religião majoritária do país assumindo-se como candidato à presidência se diz cristão, e, em vários momentos assumindo que as demais minorias devem se curvar ao desejo da maioria cristã. Isso, porque, assume que as “famílias cristãs estão sendo prejudicadas” e um dos fatores disso é por “conta do estado laico tem de aceitar as ideias das minorias”.

Por fim, táticas no período eleitoral…

O slogan da campanha do Bolsonaro dito na Igreja Batista Atitude é uma composição de algo que ele já vinha esboçando há tempos. Em uma das suas polêmicas declarações antes das campanhas disse que com ele não “tem essa historinha de estado laico não”. Assume uma lógica nociva e perigosa: se o estado, ou a “maioria dele é formado por famílias cristãs”, que as outras ou se curvem ou se mudem do país. Afinal, diz ele, que “as famílias brasileiras estão sendo prejudicadas diante da ideologia de gênero”, escolas com ensino ‘esquerdista’, fora a “questão da morte das criancinhas com a questão do aborto”. Portanto, o dispositivo do cristofascismo no Brasil nesse período pré-eleições de 2018 vem sendo constantemente ativado mediante a uma defesa bélica e tática das famílias tradicionais. Se Marcos Feliciano diz ser o “deputado da família”, Bolsonaro usa seu slogan “Deus acima de todos”, para defender sua idealização das famílias.

Ambos, pragmaticamente espalhando seu racismo, preconceitos e violências contra todos que se dizem diferentes. Esse nosso cristofascismo é quase um reflexo perfeito das demais campanhas que os signatários dos fascismos produziram na história da humanidade agindo violentamente contra as minorias, porque seriam um afronte as suas famílias idealizadas, perfeitas que buscam a paz classemediana. Particularmente, faço votos, nas minhas orações, que Deus nos livre de uma presidência de qualquer super-homem cristão, branco, hétero que defenda as famílias e a pátria. Afinal, não precisamos de qualquer Messias, mas antes, de sociedades engajadas verdadeiramente no devir democrático.

Notas

(1) Tomo a noção de fascismo de Walter Benjamin quando admite que o continente europeu experimentou práticas regulares de tortura e barbárie realizadas na relação com as colônias, que serviram para o desenvolvimento do estado fascista, vide, “O capitalismo como religião”, São Paulo: Boitempo, 2013, p.171. Ao mesmo tempo, entende que a barbárie fascista não é meramente um estágio de regressão civilizacional, mas está contida nas próprias condições de reprodução da civilização burguesa, sendo que “se beneficia da circunstância de que seus adversários o enfrentam em nome do progresso, da moral, da família considerado como uma norma histórica”, transformando todo nacional em um “estado de exceção efetivo” (“Teses sobre o conceito de historia” de 1940).

(2) Dorothee Sölle , Beyond Mere Obedience: Reflections on a Christian Ethic for the Future Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1970, p.81-83.

Fontes da internet:

https://www.youtube.com/watch?v=WrsDn13QlCY&t=4s

https://pt.wikipedia.org/wiki/Marco_Feliciano

https://www.facebook.com/PastorMarcoFeliciano

https://www.youtube.com/watch?v=NChrkvaw6dU

https://www.youtube.com/watch?v=WrsDn13QlCY&t=4s

Doutor em Teologia pela PUC-RIO, com ênfase em História da Igreja, Fé e Política. Professor colaborador no Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais na UENF. Membro da CPT do Norte Fluminense (RJ) e do Coletivo Casa Comum.

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