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Pequenas doses de masculinidade
Com temperada ironia e certo profetismo, Carlos Drummond de Andrade dizia nos meados do século passado que o homem do futuro seria um homem de laboratório, talhado por bisturis e impermeável à vida concreta. Assim ele descreve tal homem:
O homem será feito em laboratório,
Muito mais perfeito do que no antigório.
Dispensa-se amor, ternura ou desejo.
Seja como for (até num bocejo) salta da retorta um senhor garoto.
Vai abrindo a porta com riso maroto:
“Nove meses eu? Nem nove minutos.”
Quem já conheceu melhores produtos?
A dor não preside sua gestação.
Seu nascer elide o sonho e a aflição.
Nascerá bonito? Corpo bem talhado?
Claro: não é mito, é planificado.
(O Novo Homem – Carlos Drummond de Andrade).
Parece que o prognóstico do velho poeta encontrou seu lugar nos nossos dias. Por aí estão os homens de laboratório: em meio a nós, dentro de nós. Esse “novo homem” anunciado por Drummond equivale ao “velho homem” que Paulo condenou na carta aos Efésios.
Quanto à antiga maneira de viver,
Vocês foram ensinados a despir-se do velho homem,
Que se corrompe por desejos enganosos,
A serem renovados no modo de pensar
E a revestir-se do novo homem.
(Efésios 4.22-24).
O novo homem de Drummond e o velho homem de Paulo são marcados em sua masculinidade pela “corrupção dos desejos enganosos”. Sentimento de superioridade, violência, ganância, machismo, soberba, autoritarismo etc., são expressões da presença desse novo-velho homem em nós. Ele “dispensa amor, ternura ou desejo”. Pensa poder viver fechado. Quer na verdade esconder-se, tanto de si como dos outros e outras que poderiam ajudá-lo a ser um Novo Homem, não o de Drummond, mas o de Paulo.
O novo homem que Paulo nos chama a revestir é um homem inteiro. Inteiro diante de si mesmo, de seus sentimentos e emoções. Inteiro diante dos outros e das outras, pessoa aberta à vida com seus versos e reversos. Inteiro diante de Deus, filho que não precisa se esconder por detrás de máscaras. Esse novo homem é um homem integral!