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A Casa da Sabedoria: uma reflexão sobre saberes e sabores

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A Casa da Sabedoria: uma reflexão sobre saberes e sabores

Na imagem de Provérbios, a sabedoria não é masculina; é feminina. E é ela que convida os homens a irem às suas portas para encontrá-la.

“A sabedoria construiu uma casa ergueu suas sete colunas. Matou animais para uma refeição, preparou seu vinho e arrumou a sua mesa. Enviou suas servas para fazerem convites desde o ponto mais alto da cidade, clamando: Venham todos os inexperientes, ao que não têm bom senso eles diz: Venham comer a minha comida e beber o meu vinho que preparei. Deixem a insensatez, e vocês terão vida; andem pelo caminho da sabedoria!.” (Pv. 9.1-6)

É curioso que a palavra Saber vem do latim sapore — que quer dizer segundo o Houaiss: “ter sabor, ter bom paladar, ter cheiro, sentir por meio do gosto.”

A casa da sabedoria é casa dos sabores, do gosto, dos aromas. Essa casa nos atrai pelo cheiro e pelo paladar. Sinto falta de tempero que dê sabor, gosto e cheiro na maioria do conhecimento científico. Não parecem apetitosos, degustáveis. Não nos deixam com água na boca e a alma desejante. Parece aquele tipo de dieta na qual comemos o que necessitamos e não o que desejamos.

“A sabedoria clama em voz alta nas ruas, ergue a voz nas praças públicas; nas esquinas das ruas barulhentas ela clama, nas portas da cidade faz o seu discurso.” Pv 1. 20, 21

No antigo Israel, a sabedoria popular era muito valorizada. Era nas praças das cidades, nas ruas, nas casas e no mercado público onde a sabedoria era encontrada. Somente depois essas palavras foram tiradas dos sábios e sábias do povo e conduzidas aos palácios, sendo transformadas em palavras de homens sábios do poder, tirando-lhe o sabor e o gosto do povo simples que a produziu. Exatamente isso que as Academias fazem hoje. Tiram o conhecimento do meio popular e depois o transforma em objeto de estudo científico para mestres e doutores.

A sabedoria antiga se interessava pela vida

A sabedoria do antigo Israel pouco se interessava pelos assuntos da religião organizada pelo Estado. O interesse da sabedoria popular estava na vida. Os sábios e sábias falavam da vida, do cotidiano, do amor, do tempo, da economia doméstica e da felicidade. Veja esse maravilhoso provérbio (30.18ss)

“Há três coisas que são maravilhosas demais para mim, e há quatro que não entendo:  

O caminho da águia no céu, 

O caminho da cobra na penha

O caminho do navio no meio do mar

E o caminho do homem com uma donzela.”

O jogo de palavras com o termo caminho é belíssimo e tratam de caminhos que nunca foram trilhados; ou dos que precisam ser abertos todos os dias; ou do caminho que, quando fazemos de novo, não o reconhecemos mais. É saber que tem a ver com a vida, a natureza, as relações, o humano. Isso é saber com sabor.

A sabedoria é feminina e co-criadora

Na sociedade patriarcal, o espaço doméstico foi destinado às mulheres. Homens na Academia e mulheres na cozinha! Homens produzem saberes e mulheres sabores!

Mas na imagem de provérbios,a sabedoria não é masculina, é feminina; e é ela que convida os homens a irem às suas portas para encontrá-la: “Como é feliz o homem que me ouve, vigiando diariamente à minha porta, esperando junto da minha casa”.

A sabedoria, além de ser feminina, é companheira desde a criação. Veja que imagem maravilhosa e provocativa de Provérbios 8.24ss. É uma imagem que provoca o mundo dos saberes que é tão arrogantemente masculino:

“Nasci quando ainda não havia abismos, quando não existiam fontes de águas; antes de serem estabelecidos os montes e de existirem as colinas eu nasci. Ele ainda não tinha feito a terra, nem os campos, nem o pó com o qual formou o mundo. Quando ele estabeleceu os céus lá estava eu; quando traçou o horizonte sobre a superfície do abismo, quando colocou as nuvens em cima e estabeleceu as fontes dos abismos quando determinou as fronteiras do mar para as águas não violassem a sua ordem quando marcou os limites dos alicerces da terra. Eu estava ao seu lado e era seu arquiteto. Dia a dia era o seu prazer e me alegrava com o mundo que ele criou e a humanidade me dava alegria….”

Lembrei agora de um texto saboroso: O Banquete de Dante Alighieri — um livro que oferece um verdadeiro banquete de sabedoria, como o próprio título o diz. Esse banquete é, sobretudo, para pobres e marginalizados pela cultura das letras da Idade Média. Finalizo com uma pequena degustação desse banquete que fala sobre a sabedoria:

“Por fim, como máximo elogio à sabedoria, afirmo que ela é de todo Mãe e antes de qualquer principio, dizendo que com ela Deus começou o mundo e especialmente o movimento do Céu que gera todas as coisas e do qual todo movimento teve inicio e é movido, dizendo: Ela pensou e moveu o universo. Isso quer dizer que ela estava no pensamento divino, que é o próprio intelecto, quando criou o mundo; disso decorre que ela o teria criado.(…)  Ó pior que mortos que fugis da amizade dela, abri vosso olhos e olhai. Porque antes que fôsseis, ela o amava, preparando e estabelecendo vosso processo e, depois que fostes criados para vos conduzir, veio a  vossa semelhança.” P.128

Bom apetite!!!

Pastora batista, professora de Novo Testamento e assessora do Centro de Estudos Bíblicos (CEBI). É formada em Educação Religiosa pelo Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil e em Pedagogia pela UFAL. Tem especialização em assessoria bíblica e doutorado em Teologia pela Escola Superior de Teologia, em São Leopoldo.

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