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Mais espirituais que religiosos

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Mais espirituais que religiosos

A crise religiosa se aprofunda em nossas sociedades, nas diversas igrejas e religiões, com impacto visível nas expressões culturais e impactos na vida institucional das igrejas cristãs. Nas últimas décadas, o debate no mundo ocidental evoluiu do conflito entre protestantes e católicos, passando pela tensão entre denominacionalismo e ecumenismo e, recentemente, como postulado entre vida religiosa e a espiritual, com a substituição da pertença doutrinária a um grupo ou à expressão de uma espiritualidade.

Essas mudanças se expressam através de rupturas com movimentos religiosos tradicionais, criação de novos grupos religiosos ou de simples comunidades, cuja ligação é mais afetiva, fraternal e comunitária, e menos doutrinária, confessional e eclesial. As comunidades religiosas surgidas desse processo são institucionalmente mais leves, por vezes sem estrutura formal e tendo nas relações afetivas a melhor expressão de sua fé.

Dos grupos das comunidades cristãs tradicionais, os jovens formam o grupo em que conflitos, rupturas e novos acordos talvez melhor se mostrem. Com variações em relação à percepção e enfrentamento consciente da crise, as famílias — ligadas às comunidades tradicionais — buscam explicações para os sintomas, expressos no comportamento da juventude.

Uma pesquisa publicada no jornal estadunidense USA Today (28/04/2010), refletindo a visão sobre o cristianismo protestante tradicional daquele país, constata que a maior parte dos jovens de hoje — com idade entre 18 e 29 anos de idade — não ora, não cultua e não lê a bíblia. Thom Rainer, presidente da LifeWay Christian Resources, usa uma linguagem de mercado para mostrar a situação ao afirmar que se a tendência continuar “a geração do milênio verá igrejas fechando rapidamente como as concessionárias da GM”.

A pesquisa com os jovens mostrou que 72% dizem que são “muito mais espirituais que religiosos”, destacando o fato de que as pessoas nessa faixa etária se mostram “menos religiosas”, mas não necessariamente “mais secularizadas’”. As explicações de Rainer mostram traços de expectativas conservadoras, ao afirmar que os 65% dos jovens que se dizem cristãos balançam entre “cristãos piegas ou cristãos apenas de nome”. E também no seu esforço de enquadramento: “A maioria é apenas indiferente. Quanto mais precisamente você tentar medir o seu cristianismo, menos você irá encontrá-lo comprometido com a fé”.

Ao constatar que 65% nunca ou raramente ora com outras pessoas, 38% quase nunca ora sozinha, 65% dificilmente frequenta cultos e 67% não lê a Bíblia ou literatura religiosa, ele parece agarrar-se às expectativas estruturais das quais a comunidade de fé tradicional jamais se desprendeu. Essas constatações da comunidade são transformadas num discurso que passa da cobrança à exclusão, sem que tenha refletido sobre o fato de que na atualidade ela já não tem mais a importância que tinha décadas atrás.

O discurso ressentido da comunidade — seja a tradicional, a associação religiosa ou a cúpula da instituição — não demove o jovem de sua busca e nem o dissuade da insatisfação em relação ao que lhe é oferecido. O discurso religioso se torna defensivo da identidade religiosa do grupo, procurando descaracterizar o novo comportamento. Entretanto, Rainer se diz incentivado por cerca de 15% que parecem estar “profundamente comprometidos” com estudo, oração, adoração e ação.

Essa falta de causas com as quais os jovens estariam dispostos a se envolver tem diversas explicações. Mas provavelmente a interligação das diversas frustrações com a vida religiosa, o engessamento de um modelo eclesial, a atuação pastoral e o papel da instituição criam dificuldades crescentes para quem tem melhor formação e rejeita o uso ideológico da religião e da fé, seja ela de traço simplesmente militante ou propriamente terrorista, em nome do enfrentamento entre os mundos ocidental e oriental. Outra situação é mostrarem um rosto jovial como atestado de genuinidade, legitimidade e atualidade que instituições religiosas gostam de fazer.

Igrejas e religiões aprimoraram técnicas de uso ideológico da imagem dos jovens — com pano de fundo moderno e digital ou pompa barroca de proximidade com líderes políticos e governos — que os meios de comunicação expandem para criar um simulacro de poder, frente ao qual os jovens estão reagindo. As aparições de líderes religiosos com a juventude de grupos carismáticos tradicionais ao mesmo tempo em que anunciam uma moral sexual conservadora mostram mais que disfarçam as contradições.

A maior espiritualidade que religiosidade, cobrada pelos jovens, não é circunstancial, nem será aplacada com religiosos cantores e outros espetáculos, e nem será resolvida de forma cosmética. Não é um problema da epiderme das sociedades, mas bastante enraizado nas culturas e numa conjuntura sócio-econômico-política, às quais serve um discurso religioso domesticador, que tem mais política eclesiástica que teologia pastoral e cujo objetivo é mais autopreservação institucional, societária e cultural ocidental que o anúncio da salvação e os sinais do Reino, que invariavelmente o acompanham.

Há alguns anos o teólogo Hans Küng, em Razões porque ainda sou cristão, alertava sem provavelmente ter sido ouvido: “Não se trai os sonhos da juventude”. Talvez por isso os jovens estejam cansados de pedir, dialogar, estabelecer trocas reais e insistir, ou serem religiosos, e agora prefiram ser espirituais. Isso lhes permite nutrir e se empenhar por seus sonhos, sem confiá-los à instituição, evitando que possam ser frustrados. Mais uma vez.

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