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Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil (novamente) refém do ‘baixo clero’
“Acabe convocou então todo o Israel e reuniu os profetas no monte Carmelo. Elias dirigiu-se ao povo e disse: “Até quando vocês vão oscilar para um lado e para o outro? Se o Senhor é Deus, sigam-no; mas, se Baal é Deus, sigam-no”. O povo, porém, nada respondeu.” (I Reis 18, 20-21)
“O Seminário/FABAT é nossa escola de ensino cristão, formadora de pastores; sobretudo, como dito, tudo isso pertence ao povo batista!” (Carta dos alunos da FABAT-RJ a CBB)
Não soa bem o vocábulo “casa de profetas”. Quando fomos alunos do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil (STBSB), era dessa forma que o local era chamado. Soa-nos já nos tempos bíblicos como uma institucionalização do carisma profético, pois se se tem uma casa é porque existe certo treinamento, conteúdos, logo uma estratificação do poder sociorreligioso — O que normalmente obscurantiza a profecia, mas nem sempre é uma máxima verdadeira.
Fala-se de “casa de profetas” porque foi desta forma que o local foi chamado em carta escrita há duas semanas pelos alunos do Seminário. No documento, os estudantes denunciavam a situação atual da instituição, referindo-se, principalmente, à falta financeira, com destaque para os seis milhões arrolados de dívidas antigas. Não foi a primeira vez que nos deparamos com essa notícia. Há anos sabemos das dificuldades financeiras do Seminário. No entanto, pensávamos que os problemas financeiros haviam sido amenizados devido à migração da estrutura batista para o campus do Seminário. Além disso, fomos informados de que a dívida seria sanada com venda de parte do terreno da instituição. Ao que parece tal venda foi “esquecida” pela posse do ex-reitor Luis Sayão a frente do Seminário. Até porque a nova gestão empreendeu uma aproximação com a antiga Junta de Richmond, instituição que fixou os batistas no Brasil e que durante anos sustentou os Seminários da CBB.
O pastor Sayão, embora mestre em Letras-Hebraico na USP, é de recorte mais conservador. Nutre um pietismo por vezes ligados aos setores mais calvinistas dos batistas. Por isso, a ida de Sayão calou os fôlegos mais conservadores da CBB preocupados com o fechamento do STBSB. Porém, com a saída de Sayão, volta-se a mesma tecla dessa dívida monstruosa que não pode ser paga. O tom negativo é apoiado na premissa de que seria um peso a ser carregado pelos batistas brasileiros.
Mas uma casa de 108 anos de serviço a uma convenção daria apenas prejuízos? Com esse discurso não se estaria justificando novamente seu fechamento, assunto que sempre vem à tona quando se fala dos prejuízos acarretados com o Seminário? Por que, então, toda estrutura teria migrado para o terreno do Seminário do Sul? Não era para melhor dividir os custos? O que se sabe é que tanto o atual presidente da CBB, o pastor Wanderley Marins, como seu secretário executivo, o pastor Sócrates Soares, ao longo dos anos, não têm amores pela manutenção do STBSB. Wanderley Marins tem na sua igreja uma escola teológica e o pastor Sócrates não tem tantos envolvimentos com a casa, tendo sido formado pelo Seminário Teológico Batista de Niterói e já se referiu a seus professores como sendo abertos demais. Assim, bate-se na mesma tecla. Mas, hoje, qual escola teológica não estaria em crise?
Deve-se dizer que historicamente a escolha dos batistas em investir apenas em Teologia como curso de formação superior foi equivocada. Nisso, lembramos o exemplo dos irmãos metodistas. Embora rodeados pela dificuldade financeira recente, os metodistas são os que gozam de mais tranquilidade nesse assunto. Mantém melhor suas escolas de ensino, pois apostaram na construção de universidades, com vários saberes de ensino superior.
Meus caros, a Teologia, como quase todos os cursos na área de humanas, não são para enriquecer suas lideranças ou igrejas, mas para formar quadros. Nesse ínterim, tanto o presidente da CBB, como o secretário executivo (que atualmente é reitor interino do Seminário), já disseram abertamente que a melhor saída do Seminário seria seu fechamento. Como ocorreu numa última reunião com os alunos, há duas semanas, na qual afirmou que se fosse dele, o Seminário já estaria fechado. Com tudo isso questiona-se, afinal: que instituição de ensino estaria aberta com essa liderança da CBB? Por outro lado, eles parecem ter “vergonha” de assinar o fechamento da casa, deixando seus nomes negativamente marcados na história dos batistas brasileiros como aqueles que deram a canetada.
Vale sempre lembrar que entre os batistas mais antigos, os setores que trabalham contra o seminário são mantidos à frente da CBB há décadas sendo tratados quase sempre como sendo um “baixo clero”, isto é, com pouca formação teórica e intelectual, que se autojustificam por terem mais condições “administrativas”. Eles, ao longo dos últimos anos, vêm contando com menos dinheiro de arrecadação. Mas, isso é interessante, pois, sabe-se que os batistas entre os protestantes de missão são os que mais crescem pelos últimos censos. Num raciocínio simples, o que levariam a liderança do Seminário a arrecadar mais recursos? A crise, então, é administrativa? Também. Mas ela é, sobretudo, uma crise de poder.
A missão no Seminário, como descrita em seu próprio site, é “ser um espaço fecundo para criação, manutenção e transformação de ideias e de valores pertinentes à cultura humana, em geral, brasileira, em particular, e próprias da tradição cristã, com o objetivo de prover meios concretos de reflexão e diálogo com a sociedade”. Todavia, não é nesses moldes que a CBB quer que ele seja. É claro o projeto por trás da instituição: procura-se manter o poder e o controle sobre as igrejas através da formação de pastores tradicionalmente ortodoxos, fiéis ao direcionamento deste clero que se faz cúpula, e sem reflexão teológica séria. Projeto perceptível, por exemplo, na demissão do Pr. Edson Fernando em 2013, um dos maiores teólogos do Rio de Janeiro hoje.
Para não sermos totalmente injustos com as decisões da CBB, pode-se reinterpretar a missão do seminário: ser um espaço fecundo para a criação (de líderes iguais aos anteriores), manutenção (para continuar com o poder na mão dos mesmos) e transformação (de qualquer pensador em repetidor das doutrinas). Não pode haver, para a CBB, diálogo com a sociedade que não seja de repulsa — caso haja, denomina-se “liberalismo” (seja lá o que isso signifique para eles). A crise do seminário é causada e protagonizada por velhos conhecidos na Convenção, que não tem por objetivo a educação — seja para a teologia, seja para a doutrina —, mas a repetição e manutenção do próprio poder. Não se formam profetas nesta casa, mas sacerdotes tal qual o seguimento hegemônico dos fariseus do tempo de Jesus.
A situação financeira é reflexo: os professores estão sem receber há 4 meses, o quadro de professores encontra-se cada vez menos qualificado e são cada vez mais raros os acadêmicos que se disponibilizam a lutar pela instituição. Muitos antigos professores, certamente, não retornariam à casa: já foram atingidos pela cólera de Xangô, já foram marcados pelo raio daqueles que detém o poder nas mãos, já foram estigmatizados como hereges por dialogarem com o mundo — em outras palavras, decidiram fazer teologia no seu único local relevante: “em dialogo com a sociedade” (Richard Shaull). O STBSB não serve a dois senhores. Inclusive, com a CBB, não serve a nenhum: não forma pastores nem teólogos. Formam marionetes do sistema capital-religioso da atual aristocracia batista.
Em meio a crises forçadas e forjadas na educação, a grande Tijuca padece: respira com dificuldade a UERJ, mal respira o Seminário do Sul. O que fazer? Ouvir os estudantes, parando de tratá-los como a-lunos, sem luz. Dar o gerenciamento para quem tem capacidade para tal, tanto acadêmica quanto administrativamente. A formação teológica precisa ser crítica: não para que os estudantes se rebelem contra a igreja, mas para que a amem como profetas amam seu povo. O Seminário não deve ser uma casa de profetas. Deve ser uma casa de cristãos que, fazendo teologia com a Bíblia e o jornal na mão, se façam profetas.