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Finados, violência e direitos

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Finados, violência e direitos

Finados, violência e direitos

No Brasil o feriado de 2 de novembro nos estimula a reverenciar a memória das pessoas que já morreram, principalmente familiares e amigos. No último ano, tristemente, os dados sobre o número de pessoas mortas em função da violência aumentou tanto que, certamente muito mais gente estará chorando no feriado e, possivelmente, visitando cemitérios.

Os números divulgados recentemente são chocantes e profundamente entristecedores. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a partir de registros oficiais, revelaram quase 62 mil mortes violentas no país em 2016. Isto equivale a sete assassinatos por hora. Não existe similar em nenhum outro local do mundo, mesmo entre países em situação de guerra. Imprescindível destacar que a maior parte dessas mortes é de homens, jovens e negros. Como é sabido, segue, acintosamente, o genocídio da juventude negra.

Outra revelação desconcertante é o aumento continuado de mortes feitas pelas próprias polícias, que chegou a 25% em relação ao ano anterior. No Rio de Janeiro, por exemplo, dados do Instituto de Segurança Pública (que é vinculado à Secretaria de Segurança do Estado) mostra que nos primeiros 10 meses de 2017 foram mortos 114 policiais e que as mortes causadas pelas forças policiais passam de 800. O que significa que para cada policial morto a polícia mata cerca de 8 civis. É uma tragédia para todos. É um horror (des)humano.

Como assim?!

Como temas de reduzida ou quase nenhuma importância tomam atualmente a agenda de tanta gente e instituições, como políticos e igrejas e um assunto desse é menosprezado ou até tratado numa perspectiva equivocada que tende a resultar em mais letalidade?!

Num contexto de tantas “mortes matadas” como este, sem falar em outras violências que os dados trazem (desaparecimentos, estupros, roubos), surpreende a atitude de muitas pessoas (certamente a grande maioria é desinformada ou mal formada) que ainda criticam e demonizam o aparato público e também não-governamental de defesa e promoção dos direitos humanos! Inclusive com o tosco e falso chavão de que “direitos humanos só defende bandido”.

É preciso informar pedagogicamente a muita gente, especialmente àqueles com menos acesso a informação qualificada, que direitos humanos conforma um conjunto de leis e de equipamentos públicos resultado de uma longa caminhada da humanidade e que está presente com grande reconhecimento entre os países mais desenvolvidos e seguros do planeta. Lembrar ainda que no contexto brasileiro, embora todos os problemas, sobretudo de limitação de recursos, os direitos humanos estão disponíveis, (mesmo, às vezes, só formalmente) ao conjunto da sociedade. Portanto, se se abolir essa estrutura institucional, conforme muita gente desavisada ou de maneira ignorante (ou ainda cretina) defende, todos iremos perder direitos e sofrer a falta de aparato mínimo de serviços públicos. Porque “direitos humanos” significa legislação e estrutura pública e também não-governamental a disposição formal de toda pessoa humana vilipendiada em seus direitos. Portanto, quem mais é atendido pela estrutura existente de direitos humanos é exatamente o chamado “cidadão de bem”. Isso a gente pouco percebe ou não se dá conta.

Entretanto, quando se reclama a defesa do atendimento a todos/as, inclusive às pessoas transgressoras da lei, isso causa ira e ódio em muita gente. Quando deveria ser exatamente o contrário. Numa perspectiva humanista e, inclusive, cristã, atender aos proscritos e indesejados da sociedade deveria ser alvo de maior reconhecimento. Porque defender e acolher os que são “bons” é a regra da reciprocidade natural. O desafio na sociedade política está em promover direitos para todos/as, como preconiza o estado democrático.

Reafirmando e reiterando: as estruturas públicas estão à disposição de todos os cidadãos e atendem majoritariamente às “pessoas de bem” na defesa de seus direitos humanos. A lei e os equipamentos públicos são, portanto, para todas e todos. Logo, deve atender indistintamente. Inclusive, obviamente, àqueles que agiram de maneira “desumana”. Estes devem ser punidos devidamente por seus erros, mas dentro dos limites e garantias da lei.  Porque assim se formou a sociedade civil e política, isto é, com base no Direito, não no “estado de natureza” (a lei do mais forte) ou na lei de Talião (“olho por olho e dente e por dente”). Vingança e ódio não sustentam a sociedade, muito menos a violência, sobretudo do Estado, mas o pacto político-social que mantém a Justiça! Embora todas as suas imperfeições e falhas.

Neste período do dia dos mortos sejamos solidários com todos/as que perderam seus queridos. Tanto de morte natural e, talvez, ainda mais, com os que tiveram a vida de seus amados ceifada de forma violenta, seja por ação de criminosos, ou por parte das forças legais. Porém, mais que solidariedade, é imperioso que restauremos, renovemos ou nos convertamos ao compromisso de defesa aos direitos humanos, para que tenhamos mais vida, mais alegria e menos violência letal em nosso país. Enfim, para que tenhamos menos choro no ‘dia de finados’ dos próximos anos! Porque reduzir estes dados de morte e defender a vida, de todos/as – de quem quer que seja – é dar provas de nossa cidadania, civilidade, humanidade. É um país assim que desejamos e buscamos construir. O contrário disso é a barbárie, uma tentação a que muitos estão seduzidos pela crueza da realidade. Porém, o que está ruim pode se tornar bem pior a prevalecer pensamentos e posturas intolerantes e violentas.

É tempo – é dia – de abrir os olhos, o coração e a razão!

Teólogo (STBS), mestre em Sociologia (UERJ) e doutor em Ciências Sociais (UERJ), é pesquisador do Instituto de Estudos da Religião (ISER) e membro da Igreja Batista Marapendi, Rio de Janeiro.

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