A Cruz e o Arco-íris: movimento, resistência e fé na vivência de pessoas LGBTI+ cristãs no Brasil
Por Carol Acioli*
Igreja Cristã e LGBTI+ são duas coisas que não combinam, certo? Sim, por séculos tem sido dessa maneira e a história não pode ser negada. No entanto, muitas pessoas, atualmente, teriam algumas coisas importantes e novas a falar sobre essa relação. É o caso de católicxs e evangélicxs LGBTI que, cada vez mais, têm ocupado espaços eclesiásticos e civis levando debates, embates, novas leituras, Teologias e muita, mas muita afronta mesmo!
Talvez você, leitor, como eu também, tenha muito claro em sua mente a realidade de oposição entre a Igreja Cristã e a comunidade formada por pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transgêneras. Isso não é por acaso, obviamente. São séculos de discurso de ódio, criminalização da existência e das relações LGBTI, e de responsabilidade da Igreja Cristã por violências e atrocidades cometidas contra essas pessoas. Até hoje existem “terapias de cura/reversão” promovidas por igrejas e organizações cristãs no Brasil. A Bancada Evangélica, fortalecida na última corrida presidencial, está mais viva e atuante do que nunca e ocupa lugares de poder como o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Coisa que faz a gente revirar os olhos e torcer a cabeça dizendo mentalmente: “Mas que maluquice é essa nesse país?”. Não são raras as histórias de repressão que muitas pessoas LGBTI viveram nas mãos de familiares e comunidades cristãs, em nome de um Deus que, como dizem, “ama o pecador, mas odeia o pecado”. Em nome desse Deus e dessa crença solidificada por mais de mil anos, chegamos a um quadro assustador:
O Brasil é o líder de países que mais mata pessoas LGBTI no mundo. Estima-se que a cada 19 horas uma pessoa LGBTI é assassinada por aqui. Recentemente, celebramos a conquista da criminalização da homofobia. No entanto, o texto dessa lei é bastante controverso e, por isso, existem pessoas LGBTI que se colocaram contra ela. Em outro momento, vamos debater esse texto e explicar porque ele é contraditório e perigoso para a própria comunidade.
Ainda hoje, ser uma pessoa LGBTI é crime em 71 países! Esse número representa um terço do total de Estados membros da ONU. Nesse caso, falamos em Homofobia de Estado, pois há uma legislação que autoriza a perseguição, a repressão e a punição, até mesmo com a morte, em algumas nações. Por mais absurdo que pareça, tem muita gente ao redor do mundo sofrendo abusos simplesmente por serem quem são. Na Indonésia, em maio de 2017, um grupo de homens de 20 a 23 anos sofreu um açoitamento público por terem sido flagrados na cama por uma “patrulha de bairro” que invadiu sua casa e seu quarto. O estigma permanecerá marcando para sempre os corpos e as vidas desses rapazes.
Bem, e qual a relação da Igreja com tudo isso?
A Igreja Cristã desempenhou, por séculos, o papel de providenciar o suporte teórico e ideológico para justificar opressões contra essas pessoas. Em muitos casos, a Homofobia de Estado se apoia em um discurso religioso ou em sistemas religiosos de base cristã. Isso porque muitas dessas 71 nações foram colonizadas por países cristãos e, junto com o colonialismo, veio a catequização. Com a catequização, a homofobia baseada na interpretação fundamentalista de textos bíblicos clássicos que condenam a homoafetividade. É o exemplo da Índia, país que descriminalizou as pessoas LGBTI em setembro de 2018, revogando uma lei colonial que previa a punição para “relações carnais contra a ordem da natureza”. A interpretação fundamentalista da Bíblia levou à disseminação do ódio contra pessoas LGBTI, o que teve como consequência um histórico sangrento que marca a relação da Igreja Cristã com a comunidade. Não é à toa que a maioria das pessoas LGBTI não apenas desconfia, mas repudia qualquer tipo de relação ou diálogo com comunidades e até mesmo pessoas cristãs.
No Brasil, os evangélicos tem sido o braço mais forte e violento desse fundamentalismo. Parlamentares cristãos, alguns possuindo o título de pastores/pastoras, levam a Bíblia para as reuniões e assembleias nas Câmaras Municipais e no Congresso Nacional. O Estado brasileiro é laico apenas na letra da Constituição. Na prática, existem até “traficantes de Jesus” que invadem terreiros de candomblé e obrigam pais e mães de santo a quebrar suas firmezas sagradas e seus templos. O ícone mais simbólico dos últimos tempos é a Pastora Damares, que se diz Mestra “pela Bíblia” — afinal, quem precisa de Universidade? Estas, inclusive, se tornaram inimigas do governo fascista de Jair Bolsonaro pela sua produção intelectual e liberdade de pensamento.
O desmonte da educação pública, a reforma da previdência, os decretos insanos e a tentativa obcecada de aprovar o porte de armas, o racismo estrutural e institucional e o genocídio da população negra e periférica, a violência contra as mulheres e o machismo diário, o ódio e a repressão às pessoas LGBTI e a farsa da “ideologia de gênero” — tudo isso, que tem caracterizado o governo bolsonarista e a ala conservadora da política e da sociedade brasileira nos últimos anos, conta com o apoio do que nós, cristãos progressistas, temos denunciado como Cristofascismo.
Em nome de Deus a Igreja Cristã foi responsável pelo assassinato de bilhões de pessoas. Alguns fatos históricos dão conta de escancarar esse número alarmante de vidas nas contas da instituição: escravidão africana, colonialismo e extermínio de nativos em diversas partes do mundo, guerras religiosas na Europa e no Oriente, Inquisição na Europa e em países colonizados, genocídio de diversas etnias no colonialismo e no imperialismo, apoio à 1ª Guerra Mundial, apoio ao fascismo de Mussolini, Hitler, Franco e outros, apoio à 2ª Guerra Mundial, suporte às ditaduras na América Latina, inclusive no Brasil. É claro que houve cristãos que se portaram como ativistas políticos e sociais. Mas quando observamos as relações que a Igreja, institucionalmente falando e em sua maioria de membros, estabeleceu, encontramos exemplos trágicos de que ela nunca soube qual o “lado correto”. No Brasil e em outras partes do mundo, o Cristofascismo é um fenômeno descarado e assustador que também já acumula sangue em suas mãos.
Entendendo o Fascismo como o define o historiador Robert Paxton em A Anatomia do Fascismo, percebemos que infelizmente a Igreja Cristã esteve mais próxima dos torturadores e assassinos de Jesus Cristo do que do próprio Nazareno:
O fascismo tem que ser definido como uma forma de comportamento político marcada por uma preocupação obsessiva com a decadência e a humilhação da comunidade, vista como vítima, e por cultos compensatórios da unidade, da energia e da pureza, nas quais um partido de base popular formado por militantes nacionalistas engajados, operando em cooperação desconfortável, mas eficaz com as elites tradicionais, repudia as liberdades democráticas e passa a perseguir objetivos de limpeza étnica e expansão externa por meio de uma violência redentora e sem estar submetido a restrições étnicas ou legais de qualquer natureza (PAXTON, 2007, p. 358–359).
Vamos aos pontos de encontro? Comportamento político obcecado com a “decadência da sociedade” e busca pela “redenção da moral”. Vitimismo dos “cidadãos de bem”. Cultos compensatórios de unidade — olha a Marcha pra Jesus, os desfiles bolsonaristas, os símbolos de “arminha”, a idolatria do Messias errado. A tara pela “pureza das nossas crianças”. O apelo de massas para uma ideia fake de “O Brasil é um só e precisa ser resgatado nas suas tradições mais puras da nossa sociedade”. O apoio das elites que, nesse caso, não é nem um pouco desconfortável. Limpeza étnica, genocídio em massa, redução das liberdades democráticas que são chamadas de “privilégios”, “ditadura gay”, “coisa de comunista”, “ideologia de gênero”. Violência exacerbada sem constrangimento ou punição. Sim, o bolsonarismo é um fascismo à brasileira e possui, na sua base de apoio, tanto ideológica como política, um discurso fundamentalista evangélico também fascista.
Em reação a tudo isso, emergiram os chamados cristãos progressistas. Quem são esses que estão dizendo por aí que é possível, por exemplo, ser cristão e LGBTI? Será mesmo possível que essa oposição tão gritante coexista e conviva, não apenas dentro da sociedade, mas na experiência pessoal e nas comunidades de fé cristãs? Sim, é. Eu sei, eu sei. Muita desconfiança, muitas problemáticas, muitas dúvidas. Afinal, será que algo de bom e igualitário pode realmente vir de uma estrutura tão violenta e desigual quanto a igreja cristã?
Pra começo de conversa, não estamos falando apenas de igrejas inclusivas. Também não estamos falando de forçar a Bíblia ou a religião para fazer “caber” as pessoas LGBTI que são rejeitadas pelo cristianismo hegemônico. Não se trata de forçar a barra para encaixar a qualquer custo a comunidade LGBTI em uma tradição declaradamente homofóbica, patriarcal, racista, heteronormativa e elitista. É algo bem diferente e maior que isso. É denunciar tudo isso e apontar para leituras, possibilidades de horizontes, vivências e práticas de espiritualidade que foram roubadas, invisibilizadas e negadas por séculos, mas que sempre existiram e foram reprimidas.
Para ser mais didática, separei alguns pontos que são importantes para compreender no que essas pessoas acreditam e o que elas buscam.
1. A Igreja Cristã nunca foi única e uniforme. Ela sempre foi sincrética, ou seja, misturada. Todas as religiões são sincréticas, porque todas surgem de misturas de culturas e contatos entre diferentes povos, crenças etc. O Cristianismo também! Por isso, muitas coisas que foram impostas como verdades únicas e absolutas, são, no fundo, apenas as “verdades” que eram mais interessantes aos grupos e interesses de poder que estavam ligados à Igreja. Por isso, essas “verdades” se tornaram dominantes (hegemônicas), e foram tão bem estruturadas, ensinadas e reforçadas, que conseguiram se passar por únicas por muito tempo. Mas não há apenas uma leitura possível da Bíblia e muito menos uma só opinião ou doutrina sobre a questão da sexualidade. O Cristianismo se aliou aos Estados desde o Império Romano porque era muito mais interessante para o fortalecimento e manutenção das duas instituições passarem a ideia de “uma só fé, um só rei, uma só nação”. Assim, esses modelos puderam dominar outros impérios e povos, dizimando populações e culturas diversas, bem como silenciando as diversidades dentro do próprio Cristianismo.
2. Não há apenas uma leitura da Bíblia. O fato de que, a vida toda, todos nós só aprendemos que existe um discurso possível na leitura e interpretação dos textos bíblicos, não quer dizer que isso seja realmente verdade. E está longe de ser. Como explica o escritor e professor Hugo Córdova Quero no livro Doze Mitos sobre as Religiões e a Diversidade Sexual:
A realidade é que tanto o cristianismo — incluindo a tradição católica — como outras religiões não são monolíticas, isto é, elas não têm uma única posição sobre as questões de diversidade sexual. Existem diferentes segmentos em cada religião que afirmam coisas diferentes. É por isto que a coexistência de diferentes posturas afeta as pessoas gays, lésbicas, bissexuais, transgênero ou intersexual de maneiras diferentes. Determinar de maneira homogênea que tal religião é “homofóbica” ou que tal crença “nega os direitos de diversidade sexual” é invisibilizar segmentos dentro daquela religião ou crença que pensam e, consequentemente, agem positivamente em relação às pessoas LGBTI. (2018, p.1, grifo nosso).
Isso quer dizer que quando afirmamos que “a igreja nunca vai mudar” ou que “nada que venha da Bíblia/dos cristãos é confiável”, estamos jogando o jogo dos opressores, reforçando exatamente o discurso que os mantém na posição de hegemonia. Mas, pelo contrário, quando apontamos a existência dessa diversidade pulsante dentro do Cristianismo, abrimos horizontes que tem o potencial de ocupar espaços de poder, resistir ao fundamentalismo e subverter as estruturas de poder do sistema religioso cristão.
3. A Igreja Cristã precisa ser denunciada por todos os crimes cometidos em nome de Deus e as pessoas têm o direito de saber que a leitura fundamentalista da Bíblia não é a única possível. E isso incomoda pra caramba, especialmente porque vem das vozes dos oprimidos. Os grupos que foram oprimidos em nome de Deus e de uma leitura fundamentalista da Bíblia passaram a se apropriar desse lugar de fala e dizer: “Espera um pouco aí! Nós fomos violentados em nome disso aqui por séculos. Mas nós também temos muito o que dizer sobre essas mentiras que vocês contaram esse tempo todo”. Assim, respondendo às demandas e acompanhando movimentos sociais e revolucionários, especialmente a partir dos anos 1960, surgiram o que eu gosto muito de chamar de “As Teologias dos Subalternizados” — Teologia Feminista, Teologia Negra, Teologia Queer etc. Nesse sentido, surgem muitas vozes que denunciam o patriarcalismo, a misoginia, o racismo, o colonialismo, a LGBTfobia e outros sistemas de violências e discriminações cometidas pela igreja se valendo dessa crença de que “só existe uma leitura bíblica”. Ao fim do texto sugeri algumas pessoas que tem contribuído com essas produções de resistência e que vale super a pena conhecer!
4. Ser LGBTI+ e cristão não são realidades incompatíveis, pois nós somos seres diversos por essência. Seres humanos são seres espirituais e sexuais, possuem sexualidade e afeto, identidades e formas de se relacionar que são diversas, independente do que uma tradição religiosa A ou B afirme. Defender esse ponto é defender a pluralidade, a liberdade e o direito legítimo que todas as pessoas possuem como Direito Humano Fundamental, de exercer sua espiritualidade e sua fé sem nenhum tipo de impedimento, desde que isso não violente outros. Essa última parte aí tem sido esquecida há muitos anos por muitas religiões, não é mesmo? Os cristãos progressistas que tem militado para construir esses espaços afirmam que é hora de lembrar à comunidade cristã fundamentalista desses fatos. Portanto, a militância em prol dos Direitos Humanos Fundamentais é uma peça chave sem a qual os cristãos progressistas acreditam que não será possível avançar na questão entre a Fé Cristã e Comunidade LGBTI+.
5. O acolhimento irrestrito e a desconstrução das normas conservadoras doutrinárias são essenciais para construirmos comunidades de fé que respeitem todas as diversidades e acolham pessoas LGBTI sejam quais forem suas experiências espirituais e suas identificações de fé. Não adianta dizer que acolhe pessoas LGBTI apenas se elas seguirem as mesmas normas conservadoras que fazem parte das mesmíssimas estruturas que se tenta combater. Ou seja, não adianta apenas acolher a sexualidade da pessoa e reprimir outros aspectos de sua existência. É preciso acolher o desejo, as experiências, os limites, as dores, a espiritualidade e os recortes sociais. Não adianta acolher pessoas LGBTI e não acolher os recortes raciais, de classe, de gênero, de região. Não adianta também aceitar pessoas LGBTI nas igrejas e obrigá-las a seguirem as mesmas leis, normas e costumes para “se adequarem” à comunidade. Normas essas que não fazem o menor sentido, como o caso do famoso “jugo desigual” — não se relacionar com pessoas de outras religiões. Se é pra reconhecer, acolher e legitimar a existência LGBTI dentro das comunidades de fé, isso precisa ser total, irrestrito e imparcial. Ou seja, a questão LGBTI traz uma série de outras pautas que desafiam a Igreja Cristã. Mais um motivo para sermos um povo tão incômodo.
A realidade é que ainda tem muito chão pra percorrer e vencer. Por enquanto, ainda há uma necessidade urgente de legitimar a existência de pessoas LGBTI cristãs tanto entre a população que se considera cristã quanto entre os espaços de militância e de articulação política. Por isso, essas “ovelhas coloridas” estão começando a botar a cara ao sol e a voz na rua, com menos temor do que nunca. Existem, atualmente, organizações e movimentos cristãos protagonizados por pessoas LGBTI e também seus aliados como a Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT e o Evangélicxs pela Diversidade (do qual eu e minha esposa fazemos parte), entre outras! Há também a Frente Evangélica pelo Estado de Direito, que tem se manifestado contra o cristofascismo e se colocado como aliada da comunidade LGBTI+ no Brasil. Há muita parceria sendo formada, contando com a força da comunhão inter-religiosa — cristãos, umbandistas, candomblecistas, espiritas, budistas etc. Inclusive, essa galera colorida e espiritualizada esteve unida na Parada LGBT de São Paulo de 2019 no bloco GENTE DE FÉ CONTRA A LGBTIFOBIA. Imagina que afronta!
Mas é pra isso que estamos aqui mesmo: afrontar. Se resgatar o lugar que é de direito de milhões de pessoas e que foi usurpado pelos interesses de poder da Igreja hegemônica é afronta, que seja! Se contar as pessoas a boa nova de que Deus nunca foi homem, patriarcal, ou que a palavra original para “Espírito Santo” na Bíblia é Ruah — que é uma palavra Feminina — é afrontoso, que seja! Se falar “Senhora”, “Deusa”, “Nossa Mãe” é uma “heresia feminista”, respondemos com um sonoro e firme Amém! Deus é Mulher, Deus é Mãe, Deus é Negra, sim. E como Mãe acolhe, nutre, protege e recebe em seu seio todos e todas. Imago Dei (do latim, “imagem de Deus”). Imagem e semelhança. Não é isso que somos todos e todas nós? Por que, então, tantos seriam vistos como “pecado” ou “abominações”? Afinal, o que é o pecado, para que alguns sejam considerados como pecadores e outros, ainda que cheios de violência e arrogância, sejam “santos” e “cidadãos de bem”? Que Deus é esse que foi construído e trazido prontinho, montado, inquestionável para nós — homem, branco, hétero e fascista? Não, irmãos e irmãs, não aceitemos mais um Deus que é Deus de inquisições medievais ou contemporâneas. Não aceitemos mais que haja apenas uma interpretação, uma leitura, uma possibilidade que nos condene a uma existência de repressão e violência terrena e eterna. Não, porque nós simplesmente nos negamos a isso com muita razão, estudo sério e científico e, claro, Fé.
Os cristãos progressistas estão aqui para disputar narrativas. E olha, tem muita gente produzindo muita coisa importante. Infelizmente, essas vozes ainda não possuem o mesmo alcance que as gritarias de Silas Malafaia, as declarações absurdas de Damares, as tiranias de Marco Feliciano e o excêntrico fundamentalismo de Cabo Daciolo, e de outros tantos. E nós precisamos fazer essas vozes conhecidas. As pessoas têm o direito de saber que a leitura fundamentalista que está a serviço do poder e é opressora não é a única e passa muito longe do que Jesus foi. Interessantemente, Jesus é a figura que passa imune (ou quase) às críticas ferrenhas e merecidas contra os evangélicos. A grande maioria das pessoas ainda reconhece que a Igreja Cristã e a Bíblia são coisas diferentes de Jesus. Se a hipocrisia da Igreja é clara, os cristãos progressistas procuram não apenas denunciá-la, mas curá-la. Tomando as palavras da irmã Cris Serra, representante da Rede Nacional de Católicos LGBT no 1º Congresso Igrejas e Comunidade LGBTI+, que ocorreu em São Paulo entre 19 e 23 de Junho desse ano:
A Dádiva da Diversidade é uma missão profética que nós [LGBTI+] temos para curar o Corpo ferido de Cristo da heresia de definir filhos e filhas de Deus como pecado. A Dádiva da Diversidade é a nossa missão profética de curar esse Corpo ferido de Cristo da heresia da idolatria da lei e da hierarquia. É libertar corpos que são santos, pois foram santificados pela Encarnação do Cristo, e que são nosso templo. Templos que foram feitos para o prazer e para a alegria.
Que possamos espalhar essa alegria de corpos verdadeiramente libertos, não pelas terapias de reversão ou pelos exorcismos escandalosos da homofobia enraizada na Igreja e apoiada pelo Estado. Mas sim na real liberdade de ser simplesmente quem somos, como somos, e como queremos ser! Dessa liberdade, não abrimos mão! Estamos construindo esses espaços e comunidades de fé para avançarmos também na construção de uma sociedade de igualdade e justiça, democracia e liberdade. E já não há mais volta: nossas cores, afetos e amores estão aqui para ficar. É bom abrirem caminho, pois de uma forma ou de outra, iremos passar. Porque não temos vergonha de falar do que Ruah, Deus Mãe, não se envergonhou de criar. E nós iremos prevalecer*.
Axé! Shalom! Paz! Salam Aleikum!
*A frase em português é traduzida como uma alusão à canção We Shall Overcome (Nós iremos prevalecer), entoada durante as Rebeliões de Stonewall (1969) e que marcou o movimento de resistência da comunidade LGBTI, se tornando símbolo de início desse movimento político. A canção tem sido entoada em vários outros movimentos e ações de resistência, tanto nos EUA como em outros locais.
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Vale a pena conhecer:
[Desde já peço perdão porque, com certeza, ainda vai faltar muita gente importante que tem desenvolvido coisas sensacionais. Peço perdão pela limitação do meu conhecimento, mas espero contribuir multiplicando com quem tem contribuído para minha vida]
- Dra. Ivone Gebara: teóloga católica feminista, um dos maiores expoentes internacionais para a construção de uma Teologia Feminista. A mulher é apenas sensacional, pessoal. Um ícone, apenas.
- Dra. Ana Claudia Figueroa: teóloga protestante, trata especialmente da resistência LGBTI em espaços eclesiásticos cristãos, Teologia Queer e Feminismo, Fundamentalismos etc. E ela é uma afronta ambulante maravilhosa.
- Dra. Nancy Cardoso: teóloga e filósofa, com formação em História Antiga e Medieval e Ciências da Religião. É um nome importante especialmente na América Latina quando se fala em movimentos sociais, feminismo e educação popular.
- Dra. Elizabeth Fiorenza: teóloga católica feminista, estabeleceu o importante conceito de Quiriarquia, apontando para a conexão de vários sistemas de opressão e como eles atuam na Igreja Hegemônica.
- Frei Betto: frade dominicano, autor de muitas muitas muitas publicações falando sobre a Teologia da Libertação, militante de movimentos pastorais e sociais, e um cara que não pode deixar de ser lido! Ele tem publicações que visam educar, conscientizar e possibilitar o diálogo da comunidade cristã com as populações subalternizadas, e, nisso, também contribui com a causa LGBT.
- Ronilso Pacheco: um cara genial, teólogo, pastor, ativista, e autor de dois livros preciosos: “Ocupar, Resistir, Subverter” e “Teologia Negra: O Sopro Antirrascista do Espírito”, que você pode inclusive adquirir e ainda contribuir com o mestrado do Ronilso na Universidade de Columbia (Nova York).
- Dra. Valéria Vilhena: cientista da religião, pesquisadora e fundadora do coletivo Evangélicas Pela Igualdade de Gênero.
- Reverenda Carla Roland Guzman: Coordenadora da Mesa Redonda Latinx — Fé, Família e Igualdade.
- Coletivo Espiritualidade Libertária, através do blog Espiritualidade Libertária. Tem muita coisa boa e maravilhosa ali, sem falar que é um espaço que amplia nossos horizontes sobre muitos temas: teologias, feminismos, gênero, sexualidade etc.
Tem também mais um monte de gente: Ivone Richter, Judith Plascow, Genilma Boehler, Elsa Tamez, Monica Melanchton, Odja Barros, Rose Marie Muraro. E há os herdeiros e herdeiras desse povo lindo todo, gente como os queridos e queridas:
- Ana Ester: doutoranda em teologia e membro da Igrejas da Comunidade Metropolitana (ICM-Brasil), a primeira igreja inclusiva surgida das chamadas das Rebeliões de Stonewall. A história dessa igreja é linda, procurem ler.
- Camila Mantovani: pesquisadora negra, feminista, que tem produzido resistência, inspiração e teologia, e pago um preço em forma de exílio político por sua coragem e atuação política fervorosa.
- Luiz (Bob) Botelho: geógrafo, pesquisador e escritor, coordenador do Evangélicxs pela Diversidade, missionário, autor de um monte de artigos importantes e de uma militância espirituosa e intensa.
E falta muita gente! Vamos fazer essa gente toda conhecida!
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FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível para download em PDF aqui.
Homossexualidade ainda é criminalizada em mais de 70 países. G1, Jornal O Globo, Setembro de 2018. Matéria disponível aqui.
PAXTON, Robert. A Anatomia do Fascismo. Paz e Terra, 2007.
QUERO, Hugo Córdova. 12 Mitos sobre as Religiões e a Diversidade Sexual. Plataforma Intersecções, 2018. Disponível para download em PDF aqui.
* Carol Acioli é Mestra em História pela Universidade Federal de Sergipe. Mulher cristã, lésbica, feminista e ativista pelos Direitos Humanos e pela Causa LGBTIQ+. Pesquisadora na área de Relações Sociais e Poder, com foco e interesse em Arte, Educação, Política, Estudos de Gênero e Teologias. É voluntária do Evangélicxs pela Diversidade.
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