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Nem a Bancada Evangélica resiste ao vendaval
É possível dizer que “tudo se mantém como está”, quando nos referimos ao quadro da Bancada Evangélica na Câmara de Deputados para a Legislatura 2019-2022? Sim e não.
Dos 88 eleitos quatro anos atrás, 72 tentaram a reeleição. O resultado mostrou que apenas 42 conseguiram permanecer na Câmara dos Deputados. A meta era superar os 20% dos assentos da Casa e alcançar 150 deputados federais em 2018. O alvo de ultrapassar 100 vagas havia sido colocado em 2014 e não foi atingido naquela ocasião. Muito menos agora.
Quem declarou a expectativa para 2018 foi o presidente da Bancada Evangélica, Pastor Takayama (PSC/PR), em entrevista em janeiro de 2018. Ele próprio não conseguiu ser reeleito.
Apesar do protagonismo que conquistaram no Congresso na última década, políticos da Bancada Evangélica e líderes religiosos que a apoiam se incomodam com o que consideram uma “sub-representação”.
“Temos de 28% a 33% de representatividade na população, mas somos apenas 1% do Congresso”, afirmou em janeiro passado o bispo Robson Rodovalho, da Igreja Sara a Nossa Terra, presidente da Confederação dos Conselhos de Pastores do Brasil, citando a pesquisa Datafolha que estima em 29% o total de evangélicos no País.
Este incômodo deve perdurar, uma vez que os números não apenas não cresceram nestas eleições, como diminuíram 13,6% (o equivalente a menos 12 cadeiras).
A nova Bancada Evangélica na Câmara tem agora, segundo nossa pesquisa realizada em parceria, um total de 76 deputados federais eleitos (14,8% do total da Casa). Ou seja, houve uma queda do número de deputados evangélicos eleitos (de 88 para 76).
Vale ressaltar que o critério para classificarmos a Bancada Evangélica tem sido de listar aqueles deputados e senadores que têm, de fato, vínculo formal com uma igreja evangélica, sendo descartados os “amigos” ou “apoiados” por lideranças evangélicas.
“Tudo se mantém como está”? Provavelmente. Mesmo diminuindo em número, o perfil da nova bancada revela que a postura que protagonizou na atual Legislatura, alavancada durante o período em que Eduardo Cunha (MDB/RJ) foi presidente da Câmara, não deve mudar.
Aqueles 52 que não se reelegeram foram substituídos por 34 novos deputados evangélicos. Os totais configuram “mais do mesmo” com uma distribuição total por 18 diferentes igrejas (com predomínio pentecostal das Assembleias de Deus, com 27 deputados, e da Igreja Universal do Reino de Deus, com 17, e da histórica Batista, também com 17, seguidas por mais 10 denominações) e por 22 partidos (19 identificados como direita e centro-direita).
No Senado houve aumento da presença de evangélicos, por conta do grande investimento feito nestas eleições, espaço em que os políticos evangélicos se sentem “descobertos”. Foram lançados candidatos apoiados por igrejas em praticamente todos os Estados. O resultado foi o aumento de quatro senadores evangélicos da atual Legislatura para seis na próxima.
Algumas derrotas foram emblemáticas, como no caso do senador Magno Malta (PR/ES), que, apesar de ter sido cotado para a vice-presidência de Jair Bolsonaro, viu a vaga que desejava manter ser ocupada por um candidato assumidamente homossexual, não tendo recebido apoio suficiente para a reeleição.
Outros com votações expressivas em pleitos anteriores tentaram uma vaga ao Senado, mas não obtiveram êxito, caso do Irmão Lázaro (BA) e de Antônio Jácome (RN).
Houve também casos em que a população não se sentiu representada por filhos de políticos outrora poderosos, como no caso de Danielle Cunha, filha do deputado cassado Eduardo Cunha, que apesar do significativo repasse de recursos do fundo partidário para sua campanha, e do declarado apoio de lideranças denominacionais, obteve uma baixa votação.
Na forma como se compõe o atual quadro, é possível esperar que a nova Bancada Evangélica no Congresso seja defensora das velhas pautas conservadoras. Elas se resumem à “proteção à família tradicional”, configurada no intuito de barrar e diminuir os direitos de gênero, no controle de currículos escolares e censura a professores, e à “segurança pública”, na liberação da posse de armas e na diminuição da maioridade penal.
Mas ainda: à redução dos direitos trabalhistas e à liberação de poder aos grandes donos de terras nas questões que envolvem produção alimentos envenenados, retirada de direitos indígenas e destruição do meio ambiente.
“Tudo se mantém como está”? Talvez não. Estes posicionamentos têm se revelado bastante diversos da opinião do segmento evangélico no Brasil em geral, marcado por forte heterogeneidade, conforme pesquisas (Datafolha e Grupo de Pesquisa Comunicação e Religião da Intercom publicada nesta coluna). A Bancada afirma representar “os” evangélicos, mas seus votos e opiniões divergem de forma significativa do que revelam pensar os fiéis dessas igrejas.
Talvez este seja um dos motivos que podem explicar a renovação que também se deu entre estes parlamentares. Eles colocaram sua capacidade de representação nessas pautas, mas elas estão longe de ser unanimidade no segmento tão plural. Certamente isto deverá ser estudado mais adiante.
Essa renovação serve por fim para questionar máximas que afirmam a existência de um “voto evangélico”, distinto daquele da população em geral, que resultaria dos fiéis que seguem cegamente seus líderes.
Ao contrário. O tal “voto de cajado” (termo corrente entre evangélicos críticos do voto conduzido) talvez não tenha sido suficiente para garantir o retorno ao parlamento de muitos desses deputados não reeleitos.
* Em parceria com Alexandre Brasil Fonseca, sociólogo, doutor em Sociologia. É professor associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Fonte: Diálogos da Fé/Carta Capital/10/10/2018