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À sombra da destra-política: os batistas brasileiros e as eleições 2018

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À sombra da destra-política: os batistas brasileiros e as eleições 2018

Os primeiros Batistas foram descritos por Smyth, no século XVII na Inglaterra, como “O povo livre do Senhor”. De fato, eles formaram um importante grupo social, crítico e revolucionário em sua época. Naquele contexto, lutaram contra o clericalismo e a autoridade de igreja oficial aliançada ao Estado Inglês, radicalizaram a leitura e ensino leigo das escrituras e, junto com outros separatistas, impuseram novas agendas de liberdade de crença/religião e a total separação entre Igreja e Estado.

Não há nenhuma pretensão neste texto de almejar uma “volta às origens”, mas de apresentar reflexões sobre o quanto um movimento religioso comporta descontinuidades e fragmentações, que podem até mesmo levar a um afastamento das razões que outrora mobilizaram homens e mulheres insatisfeitos com o sistema religioso vigente.

Pesquisas feitas em fontes documentais mostram que os batistas no Brasil e em outras partes do mundo são plurais e não devem ser vistos como um bloco monolítico. Todavia, no Brasil, algumas de suas representações mostram características bem definidas que parecem reaquecidas nesse momento de disputa eleitoral.

É o caso de algumas igrejas e pastores filiados à Convenção Batista Brasileira (CBB). Esta teve sua origem em 1907, por iniciativa de um missionário, Salomão Ginsburg, um judeu convertido à denominação, que percorreu alguns dos estados do Brasil evangelizando e abrindo novas igrejas. Um mês antes da reunião oficial de abertura da CBB, foi publicado um editorial acerca da natureza dessa convenção. A primeira parte dizia sobre o que ela não seria: “Não é uma igreja, nem um grupo de igrejas. Nunca ela terá autoridade eclesiástica de espécie alguma (…) Será uma organização voluntária, por meio da qual cada igreja poderá executar com mais eficácia, ou mais genericamente o trabalho do Mestre divino” (Jornal Batista, 9 mai., 1907, ed. 18, p.4)

Além disso, o órgão não teria nenhum papel legislativo, sim executivo. Nenhuma igreja era obrigada a participar das reuniões e muito menos acatar as suas resoluções, ainda que pudessem ser influenciadas por elas. A razão, pela qual justificava esse pacto se devia muito ao modo como a Igreja Católica era gerenciada, com autoritarismo, segundo o editorial (Jornal Batista, 16 mai., 1907, ed.19, p.4). A segunda parte dizia sobre o que a convenção seria: “o meio de consolidar e unificar as igrejas disseminadas em uma grande organização”. A convenção seria um meio de criar um “patriotismo denominacional” para assim fortalecer as igrejas independentes e potencializar o trabalho missionários em outros países (Jornal Batista, 16 mai., 1907, ed.19, p.4). Atualmente essa convenção (CBB) é a que comporta um maior número de igrejas filiadas. Em 2010, de acordo com o Livro do Mensageiro (1), eram 1.361.312 de membros, 7.806 igrejas e 4.377 congregações (2).

Do período da ditadura militar no Brasil aos dias atuais, pastores de igrejas grandes, com alto poder aquisitivo, têm protagonizado uma tentativa de aparelhamento ideológico no sentido de levantar uma suposta ameaça do comunismo e em contrapartida mostrar apoio a regimes antidemocráticos. Um primeiro exemplo foi a participação histórica de um grupo de pastores, liderados pelo então pastor Nilson Fanini, Ebenézer Ferreira, Éber Vasconcelos e Delcyr de Souza Lima em visita ao presidente Figueiredo, no dia 30 de outubro de 1980, cujo intuito, conforme matéria publicada pelo Jornal Batista, era manifestar apoio “moral e espiritual” às medidas até então tomadas. As duas campanhas nacionais dos batistas, “Jesus Cristo, a única esperança” (1965) e “Só Jesus Salva” (1979) foram uma resposta ao contexto sociopolítico que o país atravessava. Diga-se de passagem, o principal inimigo a ser combatido (política e ideologicamente) era o comunismo.

Como nos informa a pesquisadora Elizete da Silva:

“O mote da campanha, Cristo a Única Esperança, claramente se reportava ao contexto sócio-político do Brasil. O hino oficial, divulgado em todas as vias de comunicação da denominação batista, era uma conclamação aos fiéis para as lides proselitistas, ao mesmo tempo uma profissão de fé no poder regenerador do evangelho e as bênçãos que o mesmo traria para o País. A campanha nacional de evangelização foi uma das respostas dos batistas à conjuntura nacional durante o golpe de 1964. A outra atitude, complementar às suplicas e campanhas proselitistas, foi uma densa articulação com os governos militares. A pseudo omissão política dos batistas desvelou-se publicamente: não só legitimavam o regime militar, mas passaram a colaborar com as instâncias governamentais e a pleitear, num jogo de intensas barganhas, cargos e postos políticos em nível federal, estadual e municipal”.

Um segundo exemplo dessa tentativa de aparelhamento ideológico denominacional foi em 2010, quando o pastor da Primeira Igreja Batista de Curitiba, Paschoal Piragine Jr., falou do púlpito de sua igreja, motivado pela questão do aborto, às vésperas das eleições, e contra uma série de leis que estavam tramitando, das quais, segundo ele, tinham que ser submetidas aos “valores cristãos”, para que não resultasse no que chamava de “institucionalização da iniquidade” no Brasil em forma de lei e por consequência “o juízo de Deus sobre a nação brasileira”. Nesta ocasião, o pastor Paschoal Piragine Jr. se posicionara contra o Partido dos Trabalhadores (PT), sobre o qual alegava ter fechado questão sobre um dos assuntos em pauta, em especial o aborto. Ao conclamar os fiéis de sua igreja para não votar em ninguém que fosse do PT, o pastor Paschoal Piragine Jr. usou de um expediente medievalista ancorado na pedagogia do medo: “sob pena de Deus julgar a nossa terra”. Além disso, o posicionamento de Paschoal parecia incomum, pois dizia nunca ter feito o que fez em 30 anos de ministério pastoral. Na mesma região, Curitiba-PR, uma outra personagem, Deltan Dallagnol, procurador da República e membro da Igreja Batista do Bacacheri, também assume um papel político explícito e tem ocupado os púlpitos de várias igrejas batistas para declarar justiça contra políticos ligados ao PT, mais expressivamente ao ex-presidente da República, Luis Ignácio Lula da Silva. Ficou conhecido, inclusive, pelo PowerPoint que denunciava o ex-presidente como suposto chefe de uma quadrilha.

Um terceiro exemplo, mais recente, ocorreu na Igreja Batista Atitude. O candidato à presidência da República Jair Messias Bolsonaro foi convidado pelo pastor da Igreja Batista Atitude, Josué Valandro Jr., em dia de culto, a ocupar o palco central a fim de orar por ele. Depois de ser aplaudido, disse o pastor não estar fazendo “voto de cabresto” e teceu elogios e honras, a partir das quais convocou sua plateia a orar pelo candidato para que se “cumprisse a vontade de Deus” e Bolsonaro se tornasse o futuro presidente do Brasil a partir de 1º. de janeiro de 2019. Depois da oração, o pastor concedeu 30 segundos ao candidato Jair Bolsonaro, que disse que era preciso “varrer o comunismo” do Brasil (sob aplausos) e depois fez uma “confissão” que arrancou mais aplausos: “O estado é laico, mas eu sou cristão”.

Outro exemplo aconteceu na terceira igreja batista de Campos quando o pastor titular pede claramente aos membros que não votem em partido de esquerda. Ele disse ter visitado, anos atrás, países como a Venezuela, Cuba, Alemanha (e viu a alegria de pessoas com a queda do muro de Berlim). Ele finaliza esse relato pedindo à igreja para não votar em partido de esquerda. Ao fazer isso, o pastor induz a igreja a optar pela ideologia de Direita. O que é espantoso é que em momento algum o pastor cita os bárbaros crimes cometidos pela direita no Brasil, inclusive, na sua própria cidade – Campos dos Goytacazes. Nessas terras, vários corpos de militantes contrários ao regime militar de direita no período da ditadura civil-militar foram queimados nos fornos da Usina Cambayba. Essa miopia que embaça a visão da igreja sobre crimes bárbaros e inaceitáveis cometidos em nome do Estado parece continuar a endossar os autoritarismos bem presentes em tantos discursos e figuras eleitorais. É como se o busto de um pequeno Hitler deitasse sua sombra sobre setores da liderança batista em alguns momentos.

Vale lembrar que ainda antes do Golpe contra a presidente Dilma Rousseff, a CBB se manifestou contrária a um Decreto que ampliava a possibilidade de participação da população no governo (Princípio do Controle Social) e, assim que o candidato Bolsonaro foi esfaqueado em 06 de setembro de 2018, na cidade de Juiz de Fora (RJ), vem à público uma conclamação oficial para os batistas orarem pela política brasileira, incluindo a recuperação de Bolsonaro. Claro que é um pedido correto e legítimo, mas também é seletivo, porque quando no Rio de Janeiro (sede da CBB), foi assassinada a Vereadora Mariele Franco, nenhuma nota de pesar chegou até nós (enquanto uma infinidade de instituições de Direitos Humanos no Brasil e fora dele se manifestaram radicalmente contrárias a esse crime hediondo).

Vale dizer, não houve qualquer posicionamento oficial da CBB quanto ao machismo, à homofobia, aos discursos pró-genocídio no nosso país, nessas eleições. Há quem diga que esses são apenas “discursos” e coisas da velha esquerda ou dos “esquerdopatas”. Tal coisa é ainda mais espantosa porque a instituição parece fechar os olhos para casos concretos de assassinatos de pessoas transgêneros, para a violência física e psicológica contra as mulheres, para as desigualdades de renda que empurram populações mais pobres e negras para péssimas condições de vida e trabalho. Parece que o conservadorismo e a manutenção de privilégios desse status quo injusto têm mais lugar e agenda que a própria Palavra de Deus. Mais ainda, parece que o evangelho da Casa Grande se torna mais divulgado e querido que o Evangelho nascido da “senzala” de Nazaré. Essa postura reproduz realidades opressoras que se não matam (fisicamente ou socialmente), amolam a faca.

Não por acaso, tomam espaços algumas incoerências: os líderes batistas pedem oferta nas igrejas para as Cristolândias, mas alguns votam na ideologia do “bandido bom é bandido morto”, contrariando os ensinos da Bíblia e a missão da igreja. Vão à igreja para pregar “a paz do Senhor”, mas votam em quem tem discurso de violência. Condenam as grandes corrupções de alguns partidos políticos (como os escândalos do PT que entristeceu e revoltou a todos nós), mas toleram as “pequenas” como caso de contratações de pessoas com verba de gabinete, para funções alheias ao contrato. Participam de assembleias e comissões experimentando o governo democrático na organização de suas igrejas, mas aplaudem discursos e práticas ameaçadores da democracia na nação – até reproduzindo-os nos púlpitos. São salvos pelo sacrifício de Cristo na cruz, mas se colocam ao lado de candidatos que defendem abertamente torturadores notórios. São chamados a espalhar o amor, mas cultivam fervor a candidatos que favorecem o ódio ao pobre, ao negro, a pessoas LGBTI e os preconceitos contra as mulheres. Têm fé em Cristo, mas são cegos por outro “Messias”.

O “espírito” dos filhos de Zebedeu continua vivo entre eles, mas a resposta de Jesus ainda é um desafio: “Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam. Mas, entre vós, não deve ser assim: quem quiser ser grande, seja vosso servo; e quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos” (Mc 10,35-45).

Nota
(1) In: Livro do Mensageiro da CBB, 2011, p. 46 e 47.
(2) Congregações são grupos de fiéis que se reúnem para abrir uma nova igreja batista, em geral, nos bairros em que não existe um trabalho batista. Quando o grupo tem condições de se autossustentar é organizada uma nova igreja batista e independente da matriz. FERREIRA, Ebenézer Soares. Manual da Igreja e do obreiro. Juerp, 1995.

e

Luís Henrique Leão é batista, doutor em ciências na área de Saúde Pública e professor da Univesidade Federal do Mato Grosso (UFMT).

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