Orações periféricas #6: Quebrada Queer
Por meio dos poetas marginais desse Brasil, misturamos ritmo com uma pitada de fé, seja ela qual for. Aqui, o Rap é lido como um dia foi sentido. Ou mesmo, é arrepio de uma alma vagabunda, da qual se lê, mesmo sem saber. Sensação de escrita, sensação do som, sensação do céu. Assim é o Mistério ancestral que jogado à água salgada, nos brinda com uma bebida doce e amarga, banana com denúncia, Oshun e Iemanjá, Hare Cristo. “Ritmo e Poesia e Mística” é um projeto semanal onde a oração, a prece, o ponto e a reza da rua, se apresentam em comunhão com a vida, cultura e política das periferias do Brasil.
Quebrada Queer
Yoh, não atura, fecha a firma
Bonde das femininas
Que vêm de strike a pose
Direto das revistas
Mas é revista fina, não vem de TiTiTi
Se não aprendeu com elas, isso é cultura Queer
Vêm aplaudir
Batendo palma, eu te vi resistir
Mas vi daqui, que enquanto você chora eu canto pra subir
Se a minha pele é o que incomoda, eu te convido a vir vestir
Mais quente que o Saara
Eu queimo o céu e faço o mar abrir
Prepara os doce, que a festa não parou por aí
Alice Guél hitou mandando um: Deus é travesti
Segura o queixo que esse trecho é feito pra engolir
Mas se o efeito causou medo, é hora de fugir
Só mais um trago desse amargo que eu vivi
Contando as nota, chora! Que hoje eu vou sorrir
De batom preto, pro velório ou enterro
Vê nas manchetes, pede
Pra eu não ter que repetir
(Trecho da Música: Quebrada queer)
Quebrada Queer: O primeiro grupo de rap LGBTQ+ do Brasil, da América Latina, e até o momento, do mundo é formado por Guigo, Murillo Zyess, Lucas Boombeat, Tchelo Gomez, Harlley e Apuke. O grupo foi criado em 2018 e é uma mistura de militância, histórias e sensibilidade, principalmente por sua representatividade dentro do rap nacional. A música “Quebrada queer” apresentou o grupo e gerou inúmeras reações, mas certamente “cavou” seu espaço e respeito dentro da cena.
O “homorap”, termo que alguns pesquisadores usam para o fenômeno de pessoas LGBTQ+ no rap, não é algo novo. Essa é uma tendência que surgiu nos Estados Unidos no final da década de 1990 com o surgimento de artista pertencente a essa comunidade dentro da cultura hip-hop, como por exemplo, Queen Latifah e Missy Eliott. No Brasil, nomes como Rico Dalasam, Jup do Bairro, Hiran, Linn da Quebrada, Glória Groove, Alice Guél, Luana Hansen, Rap Plus Size, Azizi MC, entre outros, fazem parte do grupo de artistas queer que têm resistido e problematizado diversas questões de gênero dentro e fora do rap nacional.
Quebrada Queer se apropria do rap como plataforma de expressão do cotidiano de um corpo político oprimido, mas que grita em tom de liberdade e celebração da diversidade cultural brasileira. Assim, tornam-se representatividade para outros jovens que se identificam com a cultura do rap e suas histórias, gerando visibilidade para a causa e abertura para novas gerações de rappers oriundos do grupo LGBTQ+. Nas palavras de Lucas Boombeat, “Rap é o meu Senhor, então, salva-me!”. O pedido de salvação vem acompanhado com a materialização do rap enquanto experiência estética e religiosa, capaz de salvar da violência, da opressão seja ela qual for, além de ser a certeza de que a democratização da arte , incluindo a comunidade LGBTQ+, pode ser a salvação do Brasil.