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Uma oração

“É preciso orar pelas autoridades constituídas, é bíblico”, foi um dos comentários exortativos que recebi no Facebook. Interessante é que eles são feitos por pessoas que não só não oraram pela autoridade constituída em 2014, como lutaram, ativamente, por sua deposição no golpe de 2016! Espiritualidade seletiva e de conveniência, para não dizer outra coisa mais “papo reto”.

Curioso é que quando lhes apetece certos evangélicos sempre evocam este texto de Romanos 13, mas “esquecem” ou silenciam-se quanto a Apocalipse 13, que compara governante a uma besta que subiu da terra!

Oro por qualquer pessoa, inclusive “autoridade constituída”, seguindo Romanos 13. Mas tem tanta gente destituída de seus direitos e de sua humanidade, pessoas que carecem desesperadamente de orações, apoio, solidariedade, justiça! Além do quê, pelo que se tem conhecimento, as linhas de transmissão celestiais estão abarrotadas de oração pelo eleito. Portanto, não será por falta de intercessão que sua gestão terá problemas.

Tenho clamado e continuarei a orar no sentido de ajudar pessoas e grupos que já são alvos de violência do estado e da sociedade, e que pelas declarações e projetos dos futuros “donos do poder”, tende a aumentar e ampliar. Com consequências muito graves. Como violência e redução de direitos a mulheres, negros, LGBT, indígenas, empobrecidos, sem teto, sem terra, trabalhadores, enfim.

“PROFETA DO CAOS” foi outra reprimenda por minhas postagens. Aí lembrei de Amós — profeta de Deus — acusado de conspirador porque denunciava a maldade e injustiça do governo e sociedade e apontava que a derrocada era certa. O profeta não via a realidade conforme a visão conveniente do sacerdote do rei, Amasias, cuja posição afirmava que a situação era boa e que o futuro seria de paz e prosperidade. O resultado dessa história é conhecido por quem estuda a Bíblia.

No Brasil hoje certamente que os mais ricos e outras elites políticas e econômicas têm muito o que comemorar. Além de muita gente simples, embora enganada da real situação. Diversos líderes religiosos que apreciam muito a Mamom estão também bastante satisfeitos e animados.

Entretanto, pelo que se conhece da História e do presente, considerando o perfil básico dos novos-antigos donatários da capitania, é possível antever um futuro não apenas difícil, mas de sofrimento e injustiça. Principalmente para grupos sociais mais vulneráveis, aqueles a quem, conforme a Bíblia, Deus olha com profunda sensibilidade e misericórdia. Mas também isso se tornou motivo de questionamento e objeção por parte de alguns. Bem no estilo dos contemporâneos de Amós, a quem ele fez severas críticas, pois naturalizaram a opressão e agressão aos mais pobres!

O futuro não será bom, pelo menos para o conjunto das pessoas que habitam este país. Pode ser positivo para um contingente que sempre sabe tirar as melhores vantagens, independente do governo. Também não será bom porque o índice elevado de esperança e expectativa não é possível ser atendido. Haverá muita frustração e decepção. Isso é inevitável. Claro que há um contingente de seguidores, como crentes de uma seita insana, que aconteça o que for sempre defenderá o sujeito. Até mesmo que apareça uma frota eletrônica de alexandres em situações comprometedoras com ele, será visto como fake news! Cegueira ideológica e irracional.

Quanto ao sujeito em si, dificilmente completará seu mandato, pelo menos no marco constitucional vigente. Acompanho a atuação política da criatura desde o seu primeiro mandato como deputado federal no começo dos anos 1990. É uma figura exasperada, destemperada, sem apreço pela democracia e o estado de direito. Um energúmeno! No governo terá que conversar em busca dos melhores resultados possíveis para sua gestão. Tentar dar uma “ordem do dia”, como acontece na caserna, não vai surtir efeito. Não vai ser possível fazer uma “live” ou enviar uma mensagem de Whatsapp achando que seus milhões de seguidores irão convencer as poucas centenas de parlamentares a seguirem seus desejos ou caprichos.

Governar significa ter que gastar tempo e saliva com membros de sua própria equipe; falar com a sociedade em seus diversos grupos e movimentos, inclusive a imprensa; relacionar-se com o legislativo e o judiciário, sem desconsiderar o balcão de negócios de parlamentares que, como fiéis da balança, só conhecem esta forma de apoio. Será que o governante terá habilidade para isso? Ele precisava ler e refletir sobre o “Príncipe”, não o pequeno, mas o de Maquiavel, para ajudá-lo na governança. Mas não sei se ele tem condições para leituras assim.

Enfim, pelo conjunto da obra, considerando sua natureza e identidade ao longo de tantos anos na arena pública é provável que o sujeito possa renunciar ou perceber que não consegue fazer o que planeja. Ou pode dar um autogolpe, a conta gotas, com alterações constitucionais a fim de atender a seus interesses de poder fazer o governo mais autoritário que lhe convêm e a seus apoiadores. Outras opções do cardápio institucional, como até impeachment, não estão descartadas.

Mas espero e luto pacífica e democraticamente para que tudo seja diferente. Como cidadão e cristão, acredito na graça de Deus de que a pessoa mais violenta pode transformar suas espadas em relhas de arado. Rogo ao Senhor, com desejo profundo e sincero, para que o personagem aqui em pauta possa experimentar arrependimento genuíno ao ser tocado pelo amor de Cristo, a fim de que seu governo surpreenda, inversamente, a todos os brasileiros. E faça uma gestão com submissão e respeito exemplar à Constituição Federal vigente, no marco do estado democrático de direito. Com compromisso e atuação radical em prol dos direitos humanos, com liberdade, laicidade, dialogia, justiça, paz e alegria, para todos, a partir dos grupos sociais mais vulneráveis.

Teólogo (STBS), mestre em Sociologia (UERJ) e doutor em Ciências Sociais (UERJ), é pesquisador do Instituto de Estudos da Religião (ISER) e membro da Igreja Batista Marapendi, Rio de Janeiro.

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