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Adeus Eugene Peterson… (1932-2018) e obrigado!

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Adeus Eugene Peterson… (1932-2018) e obrigado!

Pode a morte de alguém, ao invés de lamentada e pranteada, ser genuinamente e positivamente celebrada, não porque este partiu e “nos livramos dele” mas por conta de sua vida ser tão intensa e linda, por sua crença ser tão deliciosamente iluminada, que seu legado mesmo com sua partida ainda estará por muitas gerações aquecendo nosso coração?

“Vamos!”

Estas foram suas últimas palavras… Ele olhou para algo que só ele conseguia ver com seus olhos e disse isso antes de dar o último suspiro, e isso foi divulgado por sua família à imprensa americana.

A morte, definitivamente, não é (ou pelo menos não deveria ser) uma questão para os seguidores de Jesus de Nazaré.

Para Jesus a morte não é um fim, mas uma espécie de portal para um outro estado de consciência. Para os cristãos dos dois primeiros séculos, sistematicamente massacrados e assassinados pelo império romano, a morte era praticamente uma “promoção”. As arenas romanas com cristãos sendo jogados para os leões, e os mesmos morrendo cantando trechos de Salmos e dos profetas Jeremias e Isaías, foi, sem dúvida, a maior fonte de conversões para quem estava lá assistindo aquilo como um entretenimento e não entendiam como alguém, às portas da morte, encarava aquilo com plena paz e serenidade.

Eugene Peterson, bem como autores como Philip Yancey, Brennan Menning, Henry Nowen, Paulo Brabo, Rubem Alves e C.S. Lewis foram meus “melhores amigos” literários numa fase de profunda crise de fé, em que passei quase 3 anos trocando a igreja pela solidão de minha mesa de estudos, e essas vozes, escritas, aqueciam o meu coração e me fizeram ressignificar minha cosmovisão espiritual, bem como redescobrir meus caminhos de volta para a vivência numa comunidade de fé, na caminhada com outros discípulos, agora não mais como alguém que buscava perfeição e coerência, mas me vendo também como alguém falho e com uma vida cheia de tropeços e acertos, passando a enxergar a comunidade na humildade de saber que, a exemplo de mim, ninguém é perfeito. E hoje posso dizer que tenho uma relação saudável servindo (e não mais sendo cliente) de uma igreja local aqui em Fortaleza.

Poderia citar aqui uma dezena de livros de Peterson que foram importantíssimos na minha jornada, mas queria me ater a sua última grande obra: a Bíblia A Mensagem (Ed. Vida).

Esta tradução/paráfrase é fruto basicamente de sua longa caminhada de acolhimento pastoral.

Reza a lenda que Santo Agostinho, quando foi ler o Novo testamento pela primeira vez, ficou muito decepcionado por conta da linguagem “grosseira” e popular em que ela foi escrita. Claro, ela foi escrita para o homem comum, por homens comuns.

Sempre fiquei com o pé atrás com as diversas traduções (a começar pela clássica João Ferreira de Almeida, popular entre os evangélicos) com aquela linguagem erudita e sofisticada.

Lembro dos tempos de Jesus, onde as escrituras hebraicas eram lidas pelos “esclarecidos” mestres da lei. E Jesus numa linguagem popular, o aramaico, a língua do povo nas ruas, cheio de histórias e metáforas contendo realidades profundas sobre a espiritualidade. Seus ensinamentos tinham como pré-requisito a imaginação de seus ouvintes, para melhor compreenderem sua Mensagem. Basicamente, tirando o monopólio do conhecimento teológico dos conselhos dos Doutores do templo e levando para o seu devido lugar: os corações do povo comum. O povo abraçava os seus ensinamentos com muita alegria, enquanto os mestres da lei, já endurecidos com um olhar pragmático sobre as escrituras, liam-na como um advogado lê o Código Civil para delimitar regras comportamentais, voando porque não eram acostumados a associar os ensinos de Deus a um exercício de imaginação. Eles ficavam perdidos sem entender nada. Até os discípulos ficavam em dúvidas em relação às diversas histórias cotidianas que Jesus contava para embasar seu ensino.

Lembro também de como ficou pasmo o mundo religioso ao saber que Lutero, no século XV, traduziu a Bíblia para a língua germânica. Novamente alguém tirando a literatura do acesso exclusivo das rodas religiosas (monopolizada em latim pelos clérigos) e as compartilhando com a nação em sua própria língua.

É isso que me torna um apaixonado por esta tradução A Mensagem de Peterson, novamente um esforço de trazer o texto bíblico para perto de nós. Para perto de nossa realidade. Para perto de nossos dramas, circunstâncias pessoais nem sempre boas. Aliás, quase nunca boas. Difíceis, confusas, em que olhamos para a realidade ao nosso redor, e elas estão enevoadas por incertezas e inseguranças. E me confortar com um texto antigo que fala diretamente a mim, numa linguagem acessível, trazendo luz, nem que seja uma pequena fagulha, quando nos encontramos (e quando me encontro neste atual momento) imersos em trevas existenciais no mais profundo abismo da interioridade.

Hoje eu uso esta tradução nos grupos de estudo bíblico de que participo, e é maravilhoso ver o encanto das pessoas lendo o texto e se admirando com a forma com que a escrita traz clareza e entendimento.

Gosto da expressão “adeus”. Hoje ela é usada na perspectiva de que me despeço e dificilmente irei reencontrar a pessoa. Muito usado em términos de relacionamento onde ambas as partes planejam mentalmente que ali está se fechando um ciclo que não volta mais.

[Isso quando a coisa é de boa, porque do contrário também há uma despedida com conotação metafísica: vá pro inferno! hehehehehe]

Mas “Adeus!”, nos primórdios do cristianismo, era usada para a despedida entre os irmãos, não como um ponto final, mas por não ter garantias de que biologicamente iriam se encontrar em tempo de perseguição. Essa saudação era na verdade um sinal de plena esperança carregada de uma profunda e tocante expressão de fé: Até Deus! No sentido de: se não nos reencontrarmos nesta vida, saiba que terei a alegria de te reencontrar nos braços do profundo amor de Deus para celebrarmos juntos nossa eternidade.

Neste sentido, de todo coração, e com a alma cheia de gratidão, digo não com tristeza, mas cheio de esperança, a despedida mais linda que já inventaram:

Adeus, Eugene Peterson!

Talvez sua morte passe despercebida nos grandes noticiários mundiais. Arrisco dizer que despercebida até para uma significativa fatia da igreja brasileira, tão alienada de si mesma e de seu legado pastoral para a sociedade, mais juíza que acolhedora e cuidadora. Porém, certamente, o legado de Eugene Peterson irá ainda ecoar e aquecer o coração de gente por muitas e muitas gerações! Daqueles que com o coração sincero e cheios de amor entendem que, à exemplo de Jesus, a missão neste mundo não é para julgar e sim amar.

“E é morrendo que se vive para a vida eterna…” (São Francisco de Assis)

P.S. Compartilho com vocês abaixo um mini-documentário onde é registrado o encontro do vocalista do U2 Bono Vox e Eugene Peterson, em que eles têm uma conversa profunda e interessante sobre os Salmos.

George Facundo é educador social no Sistema Socioeducativo no Ceará e membro da Igreja de Cristo na Aldeota.

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