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De Jerusalém a Altamira: A memória que clama Abolição!

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De Jerusalém a Altamira: A memória que clama Abolição!

De Jerusalém a Altamira: A memória que clama Abolição!

Eu me peguei várias vezes criando na minha cabeça as cenas que me aproximassem um pouco do grau de sofrimento que ela sentiu naquele dia. 

Eu nunca serei capaz de dar conta da magnitude dessa dor.

Fico pensando se ela sempre teve esse feeling de que as coisas sairiam tão mal, ou se ela só olhava pra ele, vendo ele crescer e se sentia segura. Mas eu acho que não. Acho que ela nunca teve âncora. O mar sempre foi agitado desde a anunciação.

Às vezes eu imagino ela chorando baixinho pra ele nao escutar, e pensando: Como é possível que eu seja a mulher mais abençoada e ao mesmo tempo mais amaldiçoada da Terra? 

O que significa ser a mãe de um alvo? E ele sempre foi isso. Ele sempre foi um alvo onde o sistema estava preparado pra atirar. O que significa carregar o peso de protegê-lo desde bebê de um Rei que o queria morto? Sair correndo, exilada, vendo a sua volta as mães pranteando seus filhos (ainda crianças), todos assassinados?

Marcos Vinicius – 14 anos
Jéssica de Jesus – 8 anos
Kauan Peixoto – 12 anos
João Vichtor – 9 anos
Kauã Rosário – 11 anos

Eu me pergunto como deve ser exercer a maternidade num contexto como o dela, como o nosso, de militarização. O que é ver seu filho-alvo crescer rodeado de soldados armados? O que é ver sua simples existência como a razão do ódio de tantos deles?

Depois penso na notícia: “Pegaram ele, Maria! Ele tá preso!”

Eu imagino a perna bamba, a boca seca, as mãos tremendo, a taquicardia.

Não é como se ela não soubesse que podia acontecer, mas ninguém consegue se preparar de verdade pra uma coisa dessas.

As pernas velozes correndo, a boca em movimento orando e clamando a misericórdia do Pai, as mãos segurando todos os seus documentos, e o coração, o coração já estava fora do corpo.

Quando ela chegou, ele já não estava preso. Ela o viu já ali na via crucis. Ela via a tortura e sentia cada chicotada como se fosse no seu próprio corpo. Já não tinha voz pra gritar, já não tinha força pra brigar com a multidão pra tentar chegar até ele. Ela já não era nada. 

De algum jeito, Maria morreu ali naquele dia, crucificada com o seu filho. Parte dela morreu ali naquela cruz escutando os gritos de tantos cidadãos de bem que diziam enfurecidos: Crucifica! Bandido bom é bandido crucificado!”

E o pior era sentir que nenhum testemunho que ela pudesse dar sobre ele, faria o povo deixar de comemorar sua morte. Não havia nada que pudesse ser dito diante daqueles que justificavam que ele não era sujeito de direitos. 

Ele era um ninguém. Um moleque que nasceu num estábulo. Sua família não era nada. Só um bando de gente pobre, da periferia de Nazaré, lá daquele lugar onde os garotos que nem ele já nascem marginais.

E sabe o que é pior que ser marginal? É ser um marginal que faz rebelião! E jesus, que baita rebelião ele organizou! Era óbvio que sua morte era justificável.

100 pessoas assassinadas em Ilha Anchieta – SP – 1952
101 presos assassinados no Carandiru – SP – 1992
11 pessoas assassinadas na Papuda – DF – 2000
16 pessoas assassinadas – Sistema Prisional de SP – 2001
27 pessoas assassinadas em Urso Branco – RO – 2002
30 pessoas mortas na Casa de Custódia – RJ – 2004
18 pessoas assassinadas em Pedrinhas – MA – 2010
14 pessoas assassinadas no Sistema Prisional do Ceará – 2016
10 pessoas assassinadas em Monte Cristo – RR – 2016
8 pessoas assassinadas em Ênio dos Santos – RO – 2016
60 pessoas assassinadas em COMPAI – Manaus – 2017
57 presos assassinados no Centro de Recuperação regional – PA – 2019

“Ah! Eis que um clamor se ouviu por toda Ramá; lamentação, amargura e muito pranto: É Raquel chorando por seus filhos; e de nenhum modo se deixa consolar, porque já não existem!”

Jesus era um preso político. Todo preso é um preso político!

É na força da memória desse Deus que a gente clama: ABOLIÇÃO!

Estudante de Teologia na Universidad Bíblica Latinoamericana, membro da Igreja Batista do Caminho (RJ), do Coletivo Esperançar e uma das fundadoras da Frente Evangélica Pela Legalização do Aborto. Camila precisou exilar-se do país após receber ameaças de morte.

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