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Jesus Cristo libertador, antes e agora
Ao terminar nossa conferência, gostaria de refletir com vocês sobre nosso tema principal, Jesus Cristo libertador, antes e agora. Meu foco será sobre o kairós em que Jesus Cristo introduziu um novo avanço teológico que ninguém antes dele tinha proposto.
Talvez muitos presumam que eu vou falar sobre a morte e ressurreição de Jesus. Claro, consideramos estes fatos como um ato último de amor. Mas este não é o meu foco neste momento. Eu gostaria de apontar para outro kairós que aconteceu durante a vida de Jesus. Eu gostaria de focar num momento importante e definidor no ministério de Jesus que resultou em uma compreensão nova e original de Deus e dos relacionamentos humanos. Foi de fato uma revolução teológica.
Durante esta conferência temos refletido sobre a situação em que se encontra o Oriente Médio à luz do amplamente difundido extremismo religioso, suas ameaças e desafios. No meu sermão na Igreja da Natividade em Belém, conclui minha apresentação dizendo que o antídoto para o extremismo religioso está no amor ao próximo. Mas qual é o contexto disto, e o que foi único no que Jesus fez? Meu objetivo é recapturar aquele momento quando isso aconteceu ANTES; e, pela graça de Deus, permitir que ele se rejuvenesça e nos reanime HOJE.
Eu vou relatá-lo como uma estória. Muitos de vocês já a conhecem mas, por favor, tenham paciência.
O batismo de Jesus no Rio Jordão por João Batista deve ter sido uma experiência única e significativa para Jesus Cristo. Ele sentiu que recebia o chamado e a bênção especial de Deus para uma missão especial. É bastante provável que depois do seu batismo, Jesus passou algum tempo com João Batista. Ele também passou algumas semanas no deserto ao redor de Jericó, para refletir sobre o significado do reino de Deus. E sobre a missão de Deus a qual estava sendo chamado a assumir, assim como os desafios e dificuldades ao longo dessa jornada. Certamente, Jesus estava buscando a orientação de Deus para cumprir sua vontade.
O conceito de Deus
É importante destacar que no tempo de Jesus a compreensão teológica básica sobre Deus já estava cristalizada. Foi durante o Exílio Babilônico que os pensadores religiosos judeus foram capazes de formular suas principais crenças religiosas sobre a unicidade de Deus. Grande parte do tempo antes do exílio, os israelitas vacilaram na adoração a muitos deuses. Javé era um deus especial para eles mas não o único deus. Em algum momento durante o exílio, Javé foi reconhecido como o único Deus.
A crença no único Deus se tornou a pedra angular do judaísmo. Foi expresso nas palavras do Shemá: “Ouça, ó Israel: O Senhor, o nosso Deus, é o único Senhor. Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todas as suas forças. (Dt 6.4, 5). Com razão, fez o povo judeu orgulhoso desta grande descoberta, mas também levou à soberba e arrogância. Outras nações não foram consideradas iguais ao povo judeu e foram mesmo menosprezadas. Quão similar o ANTES do AGORA. O que escutamos do governo de direita israelense e dos extremistas religiosos judeus israelenses? Eles dizem: “O estado de Israel é o nosso estado. É o estado do povo judeu, e apenas do povo judeu. Jerusalém é a nossa Jerusalém, e é apenas nossa. Toda a terra é nossa terra e apenas nossa”. Quando você ouve contínua e incessantemente estas palavras, qual a chance para a paz?
No tempo de Jesus, Deus estava numa caixa como um deus étnico para uma comunidade étnica, e elaborar leis e regulamentos começou a se desenvolver em torno de Deus e do povo de Deus assim como contra os de fora, os gentios.
Como exemplo, Levítico 19 contém inúmeras injunções: “Não guardem ódio contra o seu irmão no coração… Não procurem vingança, nem guardem rancor contra alguém do seu povo, mas ame cada um o seu próximo como a si mesmo. Eu sou o Senhor.” (19.18)
A frase “seu irmão” ou “alguém do seu povo” são repetidas várias vezes tornando claro que estas são injunções a governar os relacionamentos dentro da própria comunidade mas não fora dela.
Aparentemente, embora o próprio Jesus tenha crescido com este tipo de ensino, e nesta mentalidade fechada, em algum ponto da sua vida ele sentiu que tais crenças contradiziam sua compreensão de Deus. Para Jesus, este contexto refletia preconceito e racismo.
Nazaré
Depois do seu batismo, Jesus decidiu voltar para Nazaré e discutir sua compreensão da natureza e caráter de Deus. No Sábado, ele foi à sinagoga. Leu uma passagem de Isaías (61) sobre libertação e justiça. Mas quando as palavras do profeta se tornaram racistas contra os gentios, ele parou no meio da sentença e se recusou a invocar a ira de deus e a vingança sobre os inimigos do povo judeu. Ele parou com a menção do jubileu, o ano da graça de Deus. É o ano em que as dívidas dos pobres são canceladas; os escravos são libertos e a terra retorna aos seus proprietários originais.
Ao discutir seu entendimento, Jesus falou sobre a viúva fenícia, gentia do Líbano, que buscou o profeta Elias durante uma grande fome de vários anos; e o general gentio sírio que foi curado de lepra pelo profeta Eliseu. As três palavras de Jesus eram claras, a saber: Deus é Deus de todos os povos e cuida de todos, independentemente de suas origens étnicas.
A comunidade nacionalista e fundamentalista de Nazaré não pôde suportá-lo. Expulsaram-no. Para eles, a concepção de Deus de Jesus estava errada. Eles acreditavam que Deus era apenas o seu deus, e que apenas eles eram o povo especial de Deus.
Para Jesus, o texto de Levítico de amar o próximo como a si mesmo estava fechado para os de fora. Apenas se aplicava à família étnica do povo judaico. Jesus decidiu abri-lo.
Jesus deixou Nazaré e foi para Cafarnaum. Em Cafarnaum, começou a praticar o que ele acreditava sobre Deus: Ele ensinou a todas as pessoas que vieram até ele. Curou o doente independente de sua origem étnica. Ele até curou pessoas no Sábado, o que o fez merecer a ira e a raiva da liderança religiosa. Além disso, Jesus se dispôs a entrar nos lares de gentios, algo que os judeus religiosos evitavam. Ele passou tempo com os samaritanos e louvou a fé dos gentios em detrimento da fé dos judeus. Sua vida foi ameaçada, mas ele continuou corajosamente, e fez o bem a todos, ensinou e curou. Jesus colocou a fé de ponta-cabeça. Tornou-se muito popular entre o povo. Como sempre, são os líderes religiosos os mais conservadores e aqueles a obstruir o movimento do Espírito de Deus.
Qual é o maior mandamento?
O kairós teológico real que desencadeou a revolução foi quando um perito na lei perguntou a Jesus: “Qual o maior mandamento?”. Jesus começou dando a ele a resposta religiosa tradicional: “Ouça, ó Israel: O Senhor, o nosso Deus, é o único Senhor. Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todas as suas forças”. Mas para a surpresa de todos, ele não parou aí. Jesus continuou dizendo que havia outro mandamento que era semelhante a este. “‘Ame o seu próximo como a si mesmo”.
O que Jesus fez? Ele buscou na tradição religiosa do povo e extraiu uma injunção do Levítico (19). Tinha a intenção de se aplicar apenas para um irmão judeu. Jesus retirou a inferência exclusivista e deixou fora da frase, “seu irmão” ou “alguém do seu povo” e deixou aberto. Para Jesus, não existe excepcionalismo. Todo mundo está incluído. Amarás o seu próximo, independente de sua origem racial ou étnica, como a si mesmo. Jesus removeu a cilada do racismo.
Mais tarde, quando perguntaram a Jesus: “E quem é o meu próximo?”, ele contou a estória do Bom Samaritano. O samaritano era considerado um inimigo, mas ele foi o único a parar e ajudar o judeu gravemente ferido.
Além disso, Jesus não apenas soltou e libertou o amor do próximo de sua prisão étnica; ele elevou a injunção e a colocou ao lado do grande mandamento do amor a Deus.
A revolução de Jesus consistiu em dois pontos importantes.
- Jesus foi o primeiro a remover as fronteiras exclusivistas que encerravam o amor ao próximo e o confinavam numa comunidade étnica bem delimitada. Depois de remover o material exclusivista, abriu-o para todos e deu a ele uma aplicação e consequências universais, tornando-o um mandamento abrangente em sua inclusão que nos iguala ao inimigo.
- Jesus Cristo elevou a injunção de amar ao próximo e a colocou ao lado do primeiro grande mandamento do amor a Deus. Foi Jesus Cristo o primeiro a juntar e conectar os dois mandamentos. Ele então conclui: “Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas”. (Mt 22. 40)
Esta foi a voz profética de Jesus Cristo ANTES, e esta é a voz profética que é necessária AGORA — suas vozes, nossas vozes.
Jesus libertou os dois textos. Ao libertar os dois textos, ele libertou o amor. Ao libertar o amor, Jesus libertou o entendimento deles tanto de Deus quanto do próximo. Tanto Deus quanto o próximo tinham sido encaixotados dentro de uma comunidade de fé restrita. O resto dos povos do mundo foi deixado de fora da graça e do amor de Deus. Mas Deus não pode ser encaixotado. O Espírito de Deus tem sido sempre ativo dentro e fora das religiões do mundo.
Antes de Cristo realizar esta libertação, se alguém perguntasse como se pode demonstrar o amor a Deus, a resposta teria sido “Guarde os seus mandamentos”.
Depois que Jesus conectou o amor a Deus e o amor ao próximo, o teste para verificar a autenticidade do nosso amor a Deus é o nosso amor ao próximo. A comunidade cristã primitiva reconheceu bem isso: “Se alguém afirmar: ‘Eu amo a Deus’, mas odiar seus irmãos ou irmãs, é mentiroso, pois quem não ama seu irmão ou irmã, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê. Ele [Cristo] nos deu este mandamento: Quem ama a Deus, ame também seus irmãos ou irmãs.” (1Jo 4.20, 21)
Considerando a inclinação humana, é possível dizer que se ama a Deus e ao mesmo tempo cometer todos os tipos de atrocidades contra o próximo. Pode-se ser bastante religioso e ainda ser racista. O antídoto para tudo isso é perceber que o verdadeiro amor a Deus demanda o amor ao próximo.
Amigos e amigas, esta é a revolução que Jesus Cristo promoveu. Precisamos recapturá-la de um novo jeito. É o melhor antídoto para o racismo e a melhor cura para muitas das enfermidades do nosso mundo hoje.
O apóstolo Paulo escreveu: “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Portanto, permaneçam firmes e não se deixem submeter novamente a um jugo de escravidão.” (Gl 5:1).
Temos uma importante tarefa pela frente. Jesus Cristo libertador ANTES e AGORA nos deixa este grande desafio: Vocês são a luz do mundo; vocês são o sal da terra. Deixe sua luz brilhar e deixe sua presença, como o sal, fazer diferença no mundo hoje. Amém.
Nota
(1) Sermão de encerramento da 10ª. Conferência Internacional do Sabeel, Magdala, Mar da Galileia, 12 de março de 2017.