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Minha primeira faxina na Era do Coronavírus

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Minha primeira faxina na Era do Coronavírus

Minha primeira faxina na Era do Coronavírus

No meu retiro no Recife, entre prisão domiciliar e mosteiro involuntário, na minha pequena cela no apartamento de minha filha, fiz a minha primeira faxina, no primeiro ano da Era do Coronavírus e lembrei de Tia Vasthy.

Toda prisão é justa, porque somos todas e todos pecadores diante de Deus e transgressores diante da lei, mesmo se conseguir provar que o apartamento não é meu. Mas monasticismo compulsório é desafio grande demais, embora pobreza, obediência e castidade não sejam tanto uma escolha na minha idade.

Caminhando para os setenta, pertenço por decreto à área de risco, ainda mais depois de ter sofrido um infarto. Meu corpo é ameaçado internamente pela deficiência do sistema circulatório e externamente pela complexidade louca do sistema de locomoção da grande cidade, veias e artérias sem coração. Mas, apesar do corpo e da idade, me senti feliz como um adolescente, porque a primeira faxina a gente nunca esquece.

Quando viemos morar no Recife, na Era da Ditadura que, embora meu tio poeta tenha sido torturado, nunca existiu, fomos acolhidos no apartamento de Tia Vasthy e fui incumbido de lavar o banheiro, com perfeição supervisionada. Tia Vasthy não era militar, tinha a patente de professora, e todos os seus alunos aprenderam obedientemente a ler, escrever e geografar. Então, de dia eu lavava o banheiro e de noite assistia à novela “O Sheik de Agadir”, minha tia escondendo a emoção junto com algum segredo romântico.

No mosteiro obrigatório, ler, escrever e amar, serão as regras da minha ordem particular, e assistir a filmes e jogar virtualmente, nos entretempos. Um pouco antes do decreto de internamento universal, fiz uma viagem de doze horas de ônibus para Petrolina, voltei hora e meia de avião, tomei dois ônibus e dois metrôs para chegar em casa. Conferi pessoalmente a logística de contaminação da cidade grande e o desafio será tornar o contágio do amor e do humor mais veloz que a doença. Nossa família sempre achou que solidariedade e sorrisos eram contagiantes mas não temos certeza de que saberemos enfrentar vírus com gargalhadas.

Recentemente, fomos todos atingidos por uma violenta epidemia. Digo, todos os cidadãos brasileiros, eleitores ou não do mesmo, estamos sofrendo de “bolsonarite crucis”, provocada por uma bactéria disforme, e ainda não conhecemos todas as sequelas. Danos permanentes à saúde, atingindo fortemente os idosos e os mais pobres, depressão e pane no sistema nervoso central em muitos casos, esse micro-organismo baixou fortemente a imunidade da população, porta aberta para enfermidades de diversos teores, com mais óbitos do que podemos imaginar. Pouco a pouco, estamos criando resistência, mas precisamos com urgência da cura, contra a infecção e contra a virose.

Recife, 23 de março de 2020. 

Assessor de pesquisa do Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão (CEPESC). Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana (BA) e e do grupo de pastores da Primeira Igreja Batista em Bultrins, Olinda (PE). É membro da Fraternidade Teológica Latino-americana do Brasil e da Aliança de Batistas do Brasil. Escritor, editor e articulador na Editora e Rede Curviana.

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