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Para votar certo, não para o seu próprio bem

Para votar certo, não para o seu próprio bem

Escrevo abaixo principalmente a pessoas cristãs e às demais de boa vontade. Por isso começo com um texto da bíblia, livro tido como “regra de fé e de prática”, em particular para evangélicos.

“Ninguém busque o seu próprio bem, e sim o dos outros” (1Co 10.24).

Este versículo não está isolado no Novo Testamento, pois há outros semelhantes nas cartas e também no exemplo e palavras do próprio Jesus. Nesse texto, parece que Paulo está sendo ainda mais radical do que o próprio Jesus. Este diz: “Ame ao seu próximo como a si mesmo”. Paulo diz de uma maneira ainda mais enfática: Tão ou mais importante do que buscar seu próprio bem é lutar pelo bem do outro. E esse “outro”, ao longo dos ensinos de Jesus e de todo o Novo Testamento, é sempre a pessoa mais fraca, a mais agredida ou a menos atendida em seus direitos , como crianças, “pessoas com deficiência”, mulheres, pobres, trabalhadores, presos, estrangeiros. A essa outra pessoa a missão básica do cristão é amar. E amar é cuidar, defender, ajudar, promover dignidade e direitos.

Como entendemos este ensino bíblico para além da relação pessoal ou eclesial e assumimos isso inclusive na dimensão política, considerando os problemas que temos hoje?

Como votar nessas eleições, considerando indicadores sociais de nossa própria realidade? Como fugir da fantasia, das fake news e enfrentar problemas reais? Como não fazer esforço de reforçar seus direitos e interesses (que não estão ameaçados) e votar nestas eleições para promover bem-estar, especialmente de quem mais tem seus direitos de sobrevivência violados?!

À luz do ensino cristão apresento algumas reflexões para ajudar na definição de seu voto. Mais do que mencionar nomes de candidaturas – têm várias ótimas e sou tentado a explicitar algumas, mas me restrinjo por razões óbvias – vou tratar de critérios a partir de embasamento bíblico.

“Ninguém busque o seu próprio bem, e sim o dos outros”.

Se você tem sustento, salário, emprego ou algum tipo de renda para manutenção de sua vida e de sua família, vote em candidato que tem compromisso histórico de garantia de direitos e defende políticas em favor dos mais empobrecidos, desempregados, pessoas em situação de rua e outras carências básicas da condição humana. Vote pelos 14 milhões de brasileiros em situação de extrema pobreza, muitos deles vivendo em sua cidade.

“Ninguém busque o seu próprio bem, e sim o dos outros”.

Se você é homem, vote em mulheres que assumem a luta pelos direitos das mulheres. Numa sociedade desigual em termos de gênero, como a nossa, é imperioso uma ação intencional para reduzir essa disparidade entre homens e mulheres. O feminicídio, por exemplo, além do machismo e outras violências de gênero não são, obviamente, um problema das mulheres, mas dos homens! Homem, vote pela execução efetiva dos direitos das mulheres.

“Ninguém busque o seu próprio bem, e sim o dos outros”.

Se você é branco/a, sabe, em perspectiva, dos privilégios atinentes à sua cor de pele. Numa sociedade com racismo estrutural que desumaniza, criminaliza, encarcera e mata pessoas negras, vote em candidaturas negras e/ou comprometidas de fato em enfrentar o racismo estrutural, inclusive com políticas afirmativas. Porque o racismo é um problema a ser resolvido prioritariamente por pessoas brancas.

“Ninguém busque o seu próprio bem, e sim o dos outros”.

Se você tem “plano de saúde” ou outra assistência privada em caso de doença, vote em quem tem compromisso e defende o Sistema Único de Saúde (SUS). Este é um amparo garantido para milhões de brasileiros. (Embora a esfera municipal não tenha poder isolado sobre o SUS, não deixe de votar em quem defende saúde pública de qualidade e universal para todos os habitantes do país).

“Ninguém busque o seu próprio bem, e sim o dos outros”.

Se seus filhos estudam em escola particular, vote em quem defende a melhoria e garantia da escola pública, com toda assistência de segurança alimentar e nutricional, com professoras e professores valorizadas e condições dignas de trabalho.

“Ninguém busque o seu próprio bem, e sim o dos outros”.

Se você é heterossexual, vote em candidatos LGBTI+ e/ou comprometidos com a defesa dos direitos dessa comunidade, alvo de tanto preconceito, discriminação, violência e morte. Porque a lgtfobia é um problema dos heteronormativos!

“Ninguém busque seu próprio interesse, mas o dos outros”.

Se você é brasileiro legítimo ou naturalizado, vote em quem tem compromisso e sensibilidade para acolher e defender direitos a migrantes, refugiados, apátridas. Pode ser o caso de pessoas nessa condição em seu município.

“Ninguém busque o seu próprio bem, e sim o dos outros”.

Se você mora na cidade e quer respirar ar mais puro, ter uma temperatura equilibrada, além de garantia de água para você e futuras gerações, vote em quem tem compromisso com a defesa ambiental e o enfrentamento das mudanças climáticas, sobretudo a proteção de florestas e de seus habitantes nativos, como indígenas e quilombolas. Pode ser o caso de seu município.

“Ninguém busque o seu próprio bem, e sim o dos outros”.

Se você tem acesso a automóvel, vote em quem se compromete com transporte público de maior qualidade e menos poluente, com tarifas justas, que permita melhor mobilidade urbana.

“Ninguém busque o seu próprio bem, e sim o dos outros”.

Se você é parte de um grupo religioso majoritário, como é o caso dos cristãos (católicos e evangélicos) no Brasil, vote em quem defende a laicidade do estado e o respeito à liberdade religiosa de religiões de matriz africana, indígenas, judaicas, muçulmanas, budistas, entre outras.

Se você ama a Jesus e diz que é bom louvar a Deus, você pode dar um exemplo eloquente de amor e louvor à Trindade neste domingo, mesmo que não possa participar de qualquer celebração litúrgica. Seu voto em candidaturas conforme os perfis acima listados prova que você se orienta pelo básico do que ensina a Palavra de Deus.

Vote certo. Não pelos seus interesses. Vote pelos outros.

Teólogo (STBS), mestre em Sociologia (UERJ) e doutor em Ciências Sociais (UERJ), é pesquisador do Instituto de Estudos da Religião (ISER) e membro da Igreja Batista Marapendi, Rio de Janeiro.

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