O sionismo cristão é um extremismo cristão
Por Robert Smith
É um prazer estar aqui para discutir o extremismo cristão. No meu país, os Estados Unidos, o único extremismo que se discute abertamente é associado com os muçulmanos e o Islã. Todo os outros — especialmente homens brancos armados atirando em engenheiros indianos em bares do Kansas ou ocupando instalações federais do governo — são ou mentalmente doentes ou estão defendendo ideais americanos. Muçulmanos, contudo, têm de ser banidos e possivelmente removidos do país.
Extremismo é uma categoria subjetiva sem uma definição clara. O Dicionário Oxford prestativamente define um “extremista” como “uma pessoa que assume visões religiosas ou políticas extremas, especialmente quem defende ação extrema ilegal, violenta ou de outro tipo”. O Merriam-Webster não é melhor, definindo “extremismo” como “a qualidade ou estado de ser extremo”. Em sua definição especial do “English Language Learners”, o Merriam-Webster diz que “extremismo” é a “crença e apoio a ideias que estão bem longe do que a maioria das pessoas considera razoável ou correta”.
Aprendemos destas definições a tautologia de que um extremista é aquele que é extremo. Mais especificamente, ouvimos que extremismo está associado com radicalismo e violência. Em outras palavras, designar algo como “extremista” é um modo pejorativo de afirmar que algumas ideias estão além da área delimitada, fora do que “a maioria das pessoas considera razoável ou correta”. Qualquer ideia fora da norma é potencialmente extremista. A designação, então, é um jeito de policiar as fronteiras do pensamento concebível ao estigmatizar qualquer forma de resistência à suposta violência legítima do coletivo dominante. Pergunto-me então, como podemos falar de extremismo se não podemos dizer objetivamente mesmo o que quer dizer a palavra, muito menos criar uma conferência temática sobre ela?
Na ausência de clareza, proponho esta definição provisória: Extremismo é uma ação política devotada apenas à implementação de sua ideologia em vez do bem-estar das comunidades humanas. O extremismo religioso, por conseguinte, é quando tal ação política é informada, validada e sancionada por compromissos religiosos.
Como ele é singularmente comprometido com a pureza ideológica (mesmo se o conteúdo da ideologia possa variar), o extremismo resiste à interação com ideais contrários. A introdução de compromissos religiosos limita ainda mais a possibilidade da crítica razoável. Afirmações religiosas resistem à critica porque elas se valem de fontes de conhecimento e verdade particulares. Portanto, a crítica mais efetiva à ideologia religiosamente legitimada — extremista ou não — é a crítica de dentro da própria tradição. Qualquer discussão sobre o extremismo cristão, por isso, invoca imediatamente a noção da responsabilidade intracristã. E o primeiro passo para assumir tal responsabilidade é buscar compreendê-lo.
Minha abordagem ao extremismo cristão está intimamente ligada à extensão do meu projeto acadêmico: por cerca de 20 anos eu tenho pensado sobre a questão do porquê de cristãos americanos agirem do modo como agem em relação à Israel e a Palestina. Este é um projeto autocrítico, porque eu sou um desses cristãos americanos. As ideias que conformam a relação americana com esta geografia — sendo o Sionismo Cristão uma das principais — são parte da minha cultura de formação. Assim, eu busco compreender em vez de ridicularizar ou simplesmente desprezar. Com isto espero desafiar o extremismo cristão que permeia meu país, inflingindo violência e dor em grande parte do resto do mundo.
A seguir, compartilharei alguns dos resultados da minha pesquisa sobre Sionismo Cristão e discutirei o que podemos fazer para desafiar sua primazia continuada nas igrejas ocidentais
O Sionismo Cristão tem pouco a ver com a chamada Teologia do Arrebatamento do dispensacionalismo pré-milenista desenvolvido no final dos 1800. Em vez disso, é consequência da interpretação bíblica protestante inglesa nos 1500 e 1600, quando os protestantes enfrentavam a dupla ameaça do poder da Igreja Católica e do império Otomano. A teologia anti-islâmica e anticatólica resultante imaginaram os judeus como aliados em um drama apocalíptico. Estas ideias sustentaram o senso puritano inglês de possuir uma missão especial e, portanto, de superioridade. Quando estas ideias foram transferidas para as colônias inglesas no Novo Mundo, elas logo informaram as correntes mais profundas da identidade e missão americana.
Quando esta tradição de interpretação profética judaico-cristã embasou a ação política, o resultado foi o Sionismo Cristão. O primeiro exemplo documentado de Sionismo Cristão foi em 1649, quando dois ingleses vivendo em Amsterdã sugeriram às autoridades inglesas que as guerras civis inglesas terminaria se “esta Nação da Inglaterra,com os habitantes da Holanda, seja a primeira e mais disposta a transportar os filhos e filhas de Israel em seus navios a terra prometida aos seus antepassados”.
Várias características do Sionismo Cristão emergem através de comparação histórica. Primeiro, o Sionismo Cristão inventou judeus e muçulmanos para seus próprios propósitos políticos e teológicos. Além disso, seus fundamentos anticatólicos e antimuçulmanos conspiraram contra qualquer relacionamento entre os cristãos ocidentais e orientais, especialmente os que alegavam ser possível viver com vizinhos muçulmanos.
Segundo, o Sionismo Cristão é uma teologia imperialista. Em 1649, navios ingleses e holandeses não foram construídos como cruzeiros para diversão. Eram navios de guerra e comércio, ferramentas do império. Na teologia de John Hagee hoje, a força imperialista é necessária para preservar a verdade teológica do Estado de Israel que, claro, funciona como um sátrapa (governo regional) para os interesses imperialistas europeus e americanos no Oriente Médio. Sionistas cristãos contemporâneos podem ser compreendidos como teólogos da corte servindo a interesses de mestres militares e corporativos fornecendo legitimação religiosa para a violência de Estado.
Dado o consenso cultural pervasivo do Sionismo Cristão e suas teologias subjacentes, cristãos anglo-americanos tendem a ver esta terra como uma projeção de suas próprias imaginações. Os povos associados a esta terra — tanto judeus como palestinos — são comumente filtrados através de um imaginário literariamente construído de interpretação bíblica anglo-americana. O resultado final deste processo é a criação de sistemas teopolíticos que buscam implementar ideologias baseadas, primeiro e principalmente, no triunfalismo etnorreligioso, a saber, a hegemonia global dos Brancos Anglo-Saxões e Protestantes[1]. Os judeus, por meio da tradição anglo-americana de interpretação profética judeocêntrica, são recrutados a desempenhar um papel no drama cristão de redenção global. Como resultado, o sionismo cristão trabalha de mãos dadas com o colonialismo possessivo de colonizadores brancos.
Se o extremismo cristão é uma ação política informada, validada e sancionada por compromissos cristãos devotados unicamente à pura implementação de sua ideologia ao invés do bem-estar das comunidades humanas, o Sionismo Cristão certamente se adéqua a esta definição.
Há, entretanto, problemas em responder ao Sionismo Cristão através dos discursos do extremismo. Se não há dúvida que o Sionismo Cristão, conforme a definição de extremismo do Dicionário Oxford, “defende ação ilegal, violenta ou extrema” por parte dos Estados Unidos e do Estado de Israel (especialmente em legitimar a violência dos colonos), pode-se dizer, ao menos com relação aos Estados Unidos, que o Sionismo Cristão está “bem longe do que a maioria das pessoas considera correto ou razoável.”
O Sionismo Cristão, antes, pode ser encontrado na raiz da identidade e da cultura americana. O consenso cultural que resulta disso ajuda a reforçar o desprezo ocidental pelo bem-estar de comunidades judaicas, cristãs e muçulmanas no que muitos chamam de Terra Santa. Além disso, a noção de extremismo frequentemente denota violência bárbara, indisciplinada; os sionistas cristãos, por outro lado, promovem teologias tão civilizadas e sofisticadas como a violência estrutural, os drones e mísseis guiados dos interesses imperiais aos quais eles servem.
Quando os cristãos progressistas ou libertacionistas descrevem o Sionismo cristão como extremista, eles se arriscam a pensar do movimento como marginal ou de alguma maneira ilegítimo. Esta avaliação minimiza potencialmente os perigos contínuos assim como o senso de responsabilidade cristã que isso demanda.
O primeiro passo para tratar uma doença é buscar o diagnóstico correto, determinar a etiologia da doença.O que tem levado essa doença a existir? Se algo está errado, devemos primeiro parar de recuar e condenar. Dizer simplesmente que o câncer é algo ruim, horrível, não nos leva a nenhum lugar em termos de tratamento. O primeiro passo é tentar entender. Em doenças físicas assim como em enfermidades teopolíticas, isso quer dizer mergulhar profundamente na história e buscar casos a que se possa comparar. Em meio a uma pandemia, os pesquisadores tem duas tarefas básicas: desenvolver um antídoto para curar a doença ou inoculá-la para ajudar a prevenir uma infecção. Em resposta às muitas formas de extremismo religioso, incluindo aí o Sionismo Cristão, que afligem nosso mundo contemporâneo, as comunidades religiosas, incluindo as igrejas, tem a responsabilidade de explorar tais caminhos de ação.
Então, se discutir o extremismo cristão invoca a noção de responsabilidade intracristã, O que devemos fazer? Como podemos desafiar efetivamente o Sionismo Cristão como uma forma de extremismo cristão? Os painéis dos últimos dias têm deixado claro que o antídoto para o extremismo não é mais extremismo — patrocinado pelo Estado ou de outro tipo. Dentro de cada comunidade religiosa, o extremismo deve ser, ao invés disso, contraposto com uma “moderação robusta”, conceito que eu ajudei a desenvolver com o Bispo Munib Younan em seu papel como Presidente da Federação Luterana Mundial. A moderação robusta não é nem fraca nem branda; não é baseada em desejos simplistas teóricos que negam divisões e desafios concretos nas comunidades. Ela promove, ao invés disso, uma visão para viver juntos pacificamente, reconhecendo a legitimidade da diferença e buscando o bem do próximo.
Para aqueles que vem de países distantes de Nazaré e Zababde, de Jerusalém e Belém, Netanya e Sderot — onde o extremismo do Sionismo cristão busca seus próprios propósitos através da violência do império —, nossa responsabilidade é não apenas condenar mas moldar uma visão diferente que busca não os interesses teopolíticos do império cristão ocidental, mas o bem-estar de todos os povos de Deus em Israel e Palestina e ao redor do mundo.
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Nota do autor: Discurso proferido na Conferência em Nazaré. Boa parte dele vem de reflexão prática, assim como de minha pesquisa sobre o sionismo cristão, que está em meu livro More Desired than our Owne Salvation: The Roots of Christian Zionism (Oxford, 2013). A boa resposta a esta apresentação indica mais uma vez que eu preciso desenvolver um recurso (não uma dissertação) mais acessível sobre este tema. Depois que eu terminei a tese, recebi o PhD, e editei o livro para a publicação, eu achei que tinha coberto o tema. Evidentemente não é o caso.
Fonte: https://robertowensmith.wordpress.com/2017/03/12/christian-zionism-as-christian-extremism/
[1] Referência ao termo WASP – White, Anglo-Saxons Protestants.