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Marielle não está presente
O assasinato brutal contra a vereadora carioca Marielle Franco e seu motorista Anderson completaram seis meses no último dia 14 de setembro de 2018. Seis meses, 26 semanas, 185 dias e 4.440 horas. Não será necessário saber somente quem assassinou Marielle e Anderson. É preciso investigar as políticas de morte por detrás de tal brutalidade.
O assassinato de Marielle revela nosso esgotamento social. Estamos chegando ao último estágio da civilização. Assistimos todos os dias a cenas de brutalidade explicita contra a vida. Barbárie. O estado adotou a violência e a morte como política de governo e nós seguimos inertes a isso. Chegamos ao ponto em que as diferenças (sejam elas quais forem – basta ser diferente da norma) são suficientes e legitimadoras para o extermínio.
Aliás, seguimos suplicando (e a palavra é essa mesmo) por um estado de direito, por democracia. Que estado e que direito quando ambos se tornaram dispositivos de morte? Que direito quando uma advogada negra é radicalmente execrada em seu trabalho por um/a arauto/a da norma? Não há mais condições de depositarmos esperança nesse estado. Que caia de vez!
Marielle foi vítima do esgotamento social no interior do nosso tempo político. Ultrapassamos o estágio do cansaço. Estamos esgotados. Esgotamento aqui não é morbidez ou prostração. É potencia, fôlego, vitalidade. Com efeito, canalizamos essa vitalidade para o afeto que nossas ideologias foram capazes de construir: ÓDIO. Nós, eu e você, não fomos capazes de construir condições sociais em que todos e todas pudessem ter sua vida e dignidade garantidas. Por isso, nossas sociedades seguem assassinando as diferenças. Quando formos perguntados por nossos filhos e netos, teremos que dizer: isso mesmo, minha geração matava pessoas como Marielle Franco e Anderson.
Se quisermos insurgir contra as potestades que tentam silenciar, violentar, perverter, dissimular a memória de Marielle Franco, é preciso dizer: Marielle Franco e Anderson não estão presentes! Não estão presentes porque o estado brasileiro mata pretos, pobres, mulheres, LGBTs e todos aqueles e aquelas que ousam ser quem são. E assim, consequentemente, não reproduzem a norma. Não são normais.
Marielle e Anderson podem ter sido esquecidos por um estado que mata e aniquila as diferenças, mas permaneceram vivos em nossas lutas e memórias. A morte não pôde e não poderá conter os filhos e filhas do Amor.