As teologias do coronavírus
Sim, é isso mesmo que o título desse breve artigo enuncia: a iminência da presente pandemia da Covid-19 faz brotar insidiosamente alguns tipos de Teologias, isto é, discursividades que partem da fé e que produzem fé, além de mobilizar indivíduos e grupos de diferentes formas. Não importa que essas Teologias não se intitulem assim. Continuam sendo isto: Teologias do Coronavírus.
Acho que dentre todas elas, aquela que produz os piores efeitos é que está aliada ao Deus Capital e serve à proteção do mercado financeiro. Não é de hoje a percepção de que o Capitalismo é uma Religião. Isso já estava posto em Walter Benjamim (1892-1940), algumas décadas atrás.
Também não é de agora a denúncia das maldades dessa Religião. No auge da Teologia da Libertação pessoas como Jon Sobrino, Elsa Tamez e Jung Mo Sung, entre muitas outras, já nos chamavam a atenção para as consequências genocidas do culto cego ao Capital.
Foi com Elsa Tamez, por exemplo, que eu me dei conta de que, à exemplo dos deuses antigos que exigiam sacrifícios humanos, o Capital assim o exigia como custo de sua sobrevivência. A pandemia que agora enfrentamos ocasiona, portanto, a vociferação dos teólogos do Deus Capital, para quem o sacrifício de vidas humanas é a parte natural, necessária e imperativa de sua narrativa cósmica.
De consequência menos tanatológica, mas nem por isso menos grave e preocupante, está aquela Teologia que hora cheira a mofo medieval, hora cheira a manicômio. Aquela mesma que ajudou a colocar no poder o projeto político que governa o Brasil no momento. Quero me corrigir: essa Teologia tem sim consequências tanatológicas graves, ainda que a médio prazo.
Elas cultivam o desprezo pela Ciência, e mais do que isso, tentam fazer de suas alucinações religiosas ações do próprio Estado. Seu trunfo? Um chefe do Executivo que entende muito bem como usar o fundamentalismo religioso com fins políticos.
Essa Teologia, já representada institucionalmente em alguns Ministérios em Brasília, é a mesma que agora teima em manter templos religiosos abertos e atuantes, e é a mesma que quer fazer do jejum uma política pública. Triunfalismo arrogante, milhas e milhas distante da simplicidade, da leveza e da sobriedade daquele a quem dizem seguir.
Eu confesso que gostaria de ver brotar desse momento uma outra Teologia. Ela não precisaria ser exclusivamente cristã. Nem precisa se reconhecer nesse nome. Mas também admito que a memória histórica do Cristianismo teria muito o que lhe informar. Uma Teologia, por exemplo, que assumisse a comunidade de Atos 2 como arquetípica. Mais ou menos como fizeram Engels e Rosa Luxemburgo, ao verem nas narrativas do Cristianismo Primitivo os brotos de um novo mundo mais fraterno.
Sim, porque é correta e autêntica a ansiedade de quem atenta para o cenário econômico, ainda que seja um blefe desvincular isso da crise sanitária que teremos que enfrentar. A crise sanitário-econômica, no meu entender, oportuniza o surgimento dessa outra Teologia, na qual “ninguém solta a mão de ninguém” (simbolicamente!!!). Nesse caso, a imagem arquetípica da comunidade de Atos 2 fundaria uma Teologia antipandêmica.
Mas, antipandêmica em que sentido? Primeiro, na denúncia que essa Teologia faria à necropolítica e à necroeconomia, que naturaliza a morte de grupos humanos como natural e necessária à manutenção do Deus Capital.
Segundo, pelo potencial de ação contido nessa Teologia: “e todos tinham tudo em comum…” Não é a caridade pura e simples que nos salvará dos impactos econômicos de tudo isso. Mas não tenho dúvida de que a solidariedade deve ser parte fundamental do modo como temos que enfrentar tudo isso. E para tanto, uma outra Teologia – e é nisso que está seu caráter antipandêmico – necessitaria ser gestada.
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