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Depois do colóquio de São Paulo – Missão Integral: caminhos e perspectivas no século 21

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Depois do colóquio de São Paulo – Missão Integral: caminhos e perspectivas no século 21

Na sexta-feira passada, 10 de março, terminou em São Paulo o colóquio Missão Integral: caminhos e perspectivas no século 21, convocado pela Visão Mundial e patrocinado por várias organizações cristãs de serviço social. Participaram 50 líderes evangélicos entre pastores, professores e professoras de teologia, executivos de organizações cristãs e outros líderes de igrejas interessados em pensar e orar acerca dos novos caminhos da Missão Integral (MI). Os três dias transcorreram entre apresentações breves (não houve conferências magistrais), mesas de diálogo, testemunhos de vida, celebrações litúrgicas e muita camaradagem.

 

As apresentações principais estiveram a cargo de Ariovaldo Ramos, C. René Padilla (Equador-Argentina), Valdir Steuernagel, Ed René Kivitz, Ruth Padilla DeBorst (Argentina-Costa Rica), Carlos Bezerra Jr. (Deputado e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo), Alexandre Brasil, Ricardo Wesley Borges, Ziel Machado, Regina Sanchez, Serguem Silva, Paulo Junior, André Rasta, Ronilso Pacheco, Fellipe dos Anjos, Gedeon Freire e Harold Segura (Colômbia-Costa Rica).

 

Como moderadores das mesas de diálogo participaram Welinton Pereira, Luiz Felipe Xavier, Jonathan Menezes e Christian Gillis. E nas celebrações litúrgicas participou Carlinhos Veiga, reconhecido artista brasileiro. O professor Jung Mo Sung, teólogo e educador católico, docente da Universidade Metodista de São Paulo e umas das vozes mais respeitadas da teologia latino-americana, esteve presente no segundo dia do encontro. A presença das mulheres foi bastante escassa (4 ou 5), como também das pessoas mais jovens e afrodescendentes.

 

Como bem se sabe, durante estes dias o Brasil vive a pior recessão econômica que se viu em décadas (contração de 3,6% em 2016). Além disso, pelos fatos políticos que aconteceram no ano passado, se vive um clima de tensões políticas. Nas igrejas, como no resto da sociedade, há diferentes interpretações do processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff. Existem não só diferenças políticas mas também teológicas: não se opina da mesma maneira sobre qual devia (e deve) ser o papel político das igrejas; nem o que significa hoje, neste ambiente, o projeto político do Reino de Deus; nem que forma deve adotar o papel profético das igrejas, como tampouco quais devem ser as formas cristãs de confrontar o pecado estrutural. As opiniões vão e vem e criam enfrentamentos entre alguns dos líderes eclesiais. Embora estes temas não tenham sido incluídos no programa oficial do colóquio, estavam aí como transfundo subentendido do encontro.

 

Os principais temas do programa tocavam o balanço histórico da Missão Integral, as projeções para os próximos anos, a análise da conjuntura social (em particular da violência que afeta as pessoas mais jovens e as mulheres), os métodos teológicos e hermenêuticos da Missão Integral e, na sessão do último dia, alguns dos grandes desafios da Missão Integral para hoje: política, Direitos Humanos, ministério urbano, negritudes (racismo), juventudes e outros assuntos críticos. O objetivo do colóquio era: “dialogar sobre os diferentes rostos que a Missão Integral assumiu no Brasil e na América Latina e quais são seus desafios para avançar no processo de reflexão e prática da Missão”.

 

Estive bastante atento escutando cada uma das apresentações. Procurei registrar em minhas anotações pessoais as inquietações que se expressavam nos painéis e nas perguntas dos participantes. Além disso, dias antes de chegar ao Brasil, dediquei tempo para pensar no tema central do evento e fazer uma breve apresentação na primeira noite. Fruto destas observações pessoais — nada além de pessoais e sem pretensão de objetividade —, apresento a seguir alguns dos “caminhos e perspectivas” para o movimento da Missão Integral (MMI) nos próximos anos (estou de acordo com quem pensa que, em lugar de falar de Teologia da Missão Integral devemos falar de Movimento da Missão Integral).

 

O caminho do diálogo teológico

 

O Movimento da Missão Integral necessita entrar em um diálogo mais amplo com as novas expressões teológicas do Brasil e da América Latina para ampliar seus horizontes temáticos e contextualizar seus questionamentos missiológicos. Depois de quarenta e cinco anos de história se faz necessário percorrer este caminho para evitar o risco de que o movimento fique preso no discurso teológico das décadas anteriores. Este desafio apela para a necessidade de que o Movimento da Missão Integral (e em particular a Fraternidade Teológica Latino-americana-FTL, como sua frente teológica) se atreva a fazer teologia indo além de seus “pais fundadores”. Trata-se de avançar na teologia, para usar a expressão do escritor e teólogo espanhol Juan Luis Lorda (1).

 

Este caminho não se percorre sozinho por meio do fazer acadêmico, ainda que tampouco se deve prescindir dele, mas acolhendo o diálogo com os novos sujeitos teológicos: pessoas jovens, indígenas, afrodescendentes, pessoas com necessidades especiais e outras. Também enfrentando o desafio que as novas temáticas éticas que a sociedade está debatendo se apresentam para a Missão: aborto, diversidade sexual, inseminação artificial, educação sexual pública, gênero e muitas mais. Penso que o repetido discurso de que a tarefa evangelizadora deve ser complementada com a ação social segue vigente, como não!, mas não pode continuar sendo o único e exclusivo referencial pelo qual se diferencia o Movimento da Missão Integral nos próximos anos.

 

A cooperação interconfessional e inter-religiosa

 

Hoje, o compromisso social e a tarefa profética em favor das pessoas mais vulneráveis não se consegue atuando a partir de apenas uma frente religiosa. Se requer a cooperação entre as diferentes confissões cristãs e com as redes inter-religiosas.

 

A Missão Integral se caracterizou pelo seu compromisso social e suas lutas em favor da eliminação da pobreza extrema e da defesa da dignidade da pessoa humana, mas, no geral, trabalhou pouco junto às comunidades de fé que não pertencem ao grande círculo evangélico. Hoje, uma nova oportunidade de trabalho se apresenta para as comunidades religiosas em torno dos dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) (2), aprovados pelos governos do mundo em setembro de 2015. Muitas igrejas, denominações eclesiais e organizações baseadas na fé (OBF) estão se unindo em torno desta agenda (Agenda 2030) (3). Esta e outras iniciativas oferecem ao Movimento da Missão Integral novos caminhos para atualizar sua estratégia de transformação social e, de passagem, rejuvenescer sua proposta teológica de mudança social.

 

A dimensão política da Missão

 

O Movimento da Missão Integral sempre se interessou por esta dimensão, exemplificado nas centenas de profissionais cristãos, homens e mulheres, que participaram em movimentos políticos, assumiram importantes cargos públicos e se envolveram no trabalho social em favor das pessoas mais necessitadas. Mas, com o passar dos anos, uma grande número de igrejas identificadas com a Missão Integral restringiram seu compromisso social à criação de projetos comunitários de assistência social (microprática social) e não concederam igual importância ao seu papel nos processos políticos de maior alcance (macroprática política) como, por exemplo, os de incidência pública e outros associados à defesa de grandes causas sociais. Este fenômeno se observa em muitas igrejas e também em algumas ONGs, seminários e institutos de formação ministerial identificados com a Missão Integral.

 

O conjunto dos evangélicos na América Latina cresceu numericamente e é hoje uma força política indubitável (o caso brasileiro, entre outros, é uma prova disso) e seu significado poderia ser demonstrado não apenas somando votos nos pleitos eleitorais dos partidos e movimentos políticos mais conservadores, mas incidindo na agenda de políticas públicas e servindo como influência positiva em favor da justiça e do bem-estar. Os projetos comunitários e a assistência social continuam sendo necessários, mas não deveriam ser a única estratégia de mudança social.

 

A identidade evangélica

 

O que identifica a Missão Integral? Em diálogo com alguns dos participantes do colóquio, incluindo uma amena conversa com o Dr. René Padilla, coincidíamos em que essa identidade se encontra em ser evangélico. O Movimento da Missão Integral é um movimento evangélico, mas não ao modo dos chamados “evangelicais” conservadores (conservative Evangelicals) mas dos que Juan Stam descreve como evangélicos radicais (4), comprometidos com a luta por justiça, paz e igualdade, que sem reduzir seus compromissos com esta ação social, procuram também a proclamação dos grandes fundamentos teológicos evangélicos: a graça de Deus e Sua Palavra. A normatividade das Escrituras, o anúncio das boas novas de salvação por meio da graça de Deus (Atos 20.24) e a proclamação do Reino de Deus (Mateus 9.35) são os pilares sobre os quais se assenta a identidade da Missão Integral. A propósito da centralidade das Escrituras, dedicou-se uma parte do programa do colóquio à hermenêutica bíblica e ao método teológico da Missão Integral.

 

Assim, se é certo o que acabo de dizer, então um dos grandes desafios do Movimento da Missão Integral é contextualizar o significado dessas afirmações evangélicas para esta geração de novos líderes evangélicos (e, sobretudo, jovens) que não tem a mesma consciência teológica que tiveram os “pais fundadores”. A pergunta de Samuel Escobar em 1982 volta a ter plena vigência: O que significa ser evangélico hoje? (5)

 

Até aqui, meus “caminhos e perspectivas”. E agora, o que vem depois? Quanto ao colóquio de São Paulo, os organizadores anunciaram uma reunião de seguimento com um grupo menor de pessoas para avaliar o evento, revisar as conclusões e definir algumas linhas de ação para os próximos anos. Seu objetivo será fortalecer a peregrinação e prática da Missão Integral nas comunidades, nas igrejas e entre os jovens. Visão Mundial Brasil se comprometeu a:

 

— facilitar espaços de interação entre as organizações e pessoas que trabalham nas comunidades com a perspectiva da Missão Integral;

 

— fortalecer a formação e a participação de jovens líderes na Missão Integral;

 

— junto com outras organizações, atuar como promotores e animadores dos conteúdos da Missão Integral no Brasil; e

 

— ajudar a que esses recursos e conteúdos estejam disponíveis para todas as pessoas comprometidas com a Missão Integral.

 

E uma observação antes de terminar: faz alguns anos que venho observando que a Missão Integral passa por um dos seus melhores momentos no Brasil. Não me atrevo a fazer este mesmo comentário para outros países. Nestes, a Missão Integral continua vigente, mas sem o excepcional entusiasmo brasileiro; e este colóquio é uma prova disso. Enquanto que em outros países a Missão Integral tem mais passado que presente, no Brasil, em minha opinião, goza de um futuro mais robusto que seu passado. Deixo a outros a análise desta minha afirmação pessoal e que, se a comprovem, busquem as lições, expliquem suas possíveis razões e discirnam seu significado. Que alguém nos ajude a entender a que se deve este barulho (6).

 

Notas

 

(1) LORDA, JUAN LUIS, Avanzar en teología. Presupuestos y horizontes del trabajo teológico, Libros Palabra, 27, Palabra, Madrid, 1999.

(2) Organização das Nações Unidas, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: https://nacoesunidas.org/pos2015/

(3) Conselho Mundial de Igrejas, Poner fin a la pobreza extrema: Un imperativo moral y espiritual: https://www.oikoumene.org/es/resources/documents/general-secretary/wider-ecumenical-movement-incl-wcc/ending-extreme-poverty-a-moral-and-spiritual-imperative?set_language=es

(4) Juan Stam, Neo-evangélicos y evangélicos radicales, Leer más: http://protestantedigital.com/magacin/40150/Neoevangelicos_y_evangelicos_radicales

(5) Samuel Escobar, ¿Qué significa ser evangélico hoy?, Revista Misión, Vol. 1, #1, 1982, pp. 14-19.

(6) Em português, “barulho” é a expressão que algumas versões da Bíblia usam para traduzir Atos 2.2: “De repente, veio do céu um barulho que parecia o de um vento soprando muito forte e esse barulho encheu toda a casa onde estavam sentados”. (Nova Traduҫão na Linguagem de Hoje 2000).

Teólogo, escritor e coordenador de Compromisso Cristão da Visão Mundial para a América Latina e Caribe. Foi um dos oito observadores não católicos na V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e Caribenho, realizada em Aparecida, SP, em 2007. É colombiano mas mora há alguns anos em San José, Costa Rica. É autor de "No Caminho com Jesus" (Novos Diálogos, 2012) e um dos organizadores de "Para falar de criança: Teologia, Bíblia e pastoral para a infância" (Novos Diálogos, 2012).

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