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O amor correu na sala

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O amor correu na sala

O amor correu na sala

Eu não me aguentava em pé. Abri a porta do prédio. Me dirigi ao elevador. Uma carta do síndico. Está quebrado. E eu moro no sexto andar. Sabe quando você sonha com uma cama quente, um banho quente e uma vida sem problema? Este era meu sonho. Esse ano tudo mudou no meu trabalho, essa vida de DT é tensa. Agora, preciso trabalhar em pelo menos quatro escolas para completar a carga horária, e o pior é que são em turnos diferentes.

Isso anda me deixando preocupado. A qualquer momento eu rodo, até porque a professora que estou substituindo em uma das escolas, não tem data pra voltar. . . Como vou alimentar minha família? Ou o aluguel? Ando muito estressado com isso. A mulher também está . Nossa renda de professor e costureira, tem ajudado a segurar as pontas, mas se eu perder uma das vagas… a gente mal segura o aluguel.

Cheguei em casa. Meus pensamentos foram interrompidos pela gargalhada contagiante do meu filho Caio. O sangue me sobe a alma. Da sala vou à cozinha dar um beijo na esposa e me trancar no quarto, mas a mulher me fala: “Brinca com seu filho, bem”. Vou, mesmo não crendo que será algo bom.
Sentado no sofá, vejo o menino ver Pocoyo e ficar compenetrado. O menino está pelado e não se envergonha disso. Inesperadamente a gargalhada lhe enche a boca e lhe escapa dos lábios, se projeta para o infinito e além e toma todos os quatro cantos da nossa pequena sala.

Me pegou, eu confesso. Parecia uma flecha e sou fraco nessas coisas. E eu caio no seu sorriso. Sou fraco para risadas. Estava tocando uma música. Ele se levantou e ficou dançando na sala e eu achando graça. Entre um passo e outro me contava seu dia, com riqueza de detalhes em sua língua tão sua. Para um desavisado que chegasse naquele momento acharia a cena patética e no mínimo absurda, um adulto ouvindo delírios de uma criança de três anos. Sinto lhe dizer que esses são os verdadeiros alienados.

Entendia cada palavra, afinal para compreender crianças caminhe com uma e se deixe tomar de assalto pelo seu jeito tão jeitoso de ser. Estava me contando sobre sua última invenção, o “hipomarino”, uma mistura de hipopótamo com submarino. Segundo ele há uma grande boca na frente da máquina. A gente tentou montar.

Aí dançamos um pouco. Fui à cozinha, a alma lavada e o espírito renovado. Dei um beijo na preta, lhe pedi perdão e disse que daria banho no Caio.

No banheiro testamos o “hipomarino” que tentamos montar com umas peças. Depois fomos jantar. Ele comeu bem até, para quem estava cansado. Mas pra dormir foi difícil, mas no fim deu certo.

E eu? Estava encantado. Acho que de verdade tenho um filho mágico, com um tom de sagrado. Acho que não sou eu que cuida dele, mas ele anda cuidando de mim.

Com carinho.
Lu.

Vitória, 20 de junho

* Esse texto é parte do livro “E agora, José? Cartas ao Mestre“. Neste livro procurei encontrar caminhos possíveis a partir das questões que José, por sua vida, levantou e ainda levanta. A partir de cartas escritas para José a partir de dilemas que ele provavelmente passou. Dilemas tão presentes em nossa trajetória de homens, como o drama do primeiro filho, ou a necessidade de mudar de bairro, a relação amistosa com vizinhos da comunidade ou o desencontro destes. Se você quiser adquirir o livro, faz contato com o taao1995@gmail.com ou pelo perfil do instagram: @timoteoandreoliveira e @_theo.art

Cristão anglicano. Estudante de Ciências Sociais e ativista das lutas étnico-raciais. Escritor e poeta, procuro dar vazão às lutas, fé e arte por meio da escrita.

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