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A intolerância inflexível
“O mero conhecimento não é sabedoria. A sabedoria sozinha também não é suficiente. São necessários conhecimento, sabedoria e bondade para ensinar a outros homens”
— Héctor Abad Gómez
Foi Tertuliano, o célebre teólogo cristão nascido na África no segundo século, que, levado por um arroubo de intolerância expressou uma vez: “Todos aqueles que não pensam como nós são loucos”. Este Pai da Igreja é reconhecido como tendo formulado a doutrina sobre Jesus Cristo e a Trindade, bem como encorajado o desenvolvimento da teologia sistemática para a nascente igreja cristã. Na história de nossa fé, Tertuliano ocupa uma posição de destaque. Mas, como quase sempre acontece com todos os nossos heróis (assim, no masculino) da fé, também teve seus erros: no teológico, nunca conseguiu se desprender de sua influência estóica e era um montanista declarado (grupo espiritualista dos primeiros séculos). Ele mostrou sinais claros de ser uma pessoa intransigente e legalista.
Em uma ocasião ele declarou que Aristóteles era um miserável. Em outro ele tratou com sarcasmo e ironia quem mais tarde se tornaria seu líder espiritual — Montano, o mesmo homem que havia combatido com tanto ardor antes — e sempre foi implacável com os inimigos da fé, a quem destruía com sua lógica inflexível. Com razão de sobra, este que foi um dos maiores apologetas cristãos, foi considerado “flagelo dos hereges e campeão da ortodoxia”, de “espírito legalista e autoritário” (C. Dawson, As origens da Europa).
Nas palavras de Óscar Margenet, para Tertuliano “a moderação era impossível; ia aos extremo tanto no ódio quanto no amor, tanto na linguagem quanto no pensamento; mas todo ato ou palavra de sua parte era o resultado de profundas convicções, e eram animados pelo que só pode dar vitalidade aos esforços do espírito humano — um ardor sincero e paixão pela verdade “(Protestante Digital, 2017).
Quanto à intolerância, hoje, os seguidores de Tertuliano seguem vigentes e há muitos. Há muitos que, com intransigência, querem impor seus pontos de vista doutrinários (alguns se dizem apologetas) e espalham suas novas causas eleitorais (que, segundo eles, defendem a lealdade aos valores cristãos). Como se a fé fosse imposta dessa maneira, e como se a defesa das causas cristãs significasse desprezo e maus-tratos aos outros!
Esses modernos “tertulianos” (semelhantes a ele apenas em sua teimosia, mas não em sua profundidade acadêmica) podem ser ouvidos nas redes sociais vociferando suas ideias e pedindo aos céus que desça fogo sobre aqueles que não creem como eles. Eles insultam, condenam, ultrajam, impõem e mandam calar a outros. Eles também são ouvidos nos púlpitos cristãos pregando suas verdades e infundindo terror em seus ouvintes. Essa fé imposta não é nada parecida com a que Jesus ensinou (Lucas 9.49, 50).
Em um mundo no qual o radicalismo e a intolerância estão em ascensão, nossa fé é chamada a dar testemunho de respeito em meio às diferenças teológicas; de convivência humana com aqueles que não afirmam a mesma fé; de fidelidade radical à fé, sem exacerbações sectárias. Uma igreja dialogante é urgente, porque, como todos sabemos, o diálogo é o fundamento da paz. Os que seguem o Príncipe da Paz (Isaías 9.5) dão testemunho dessa paz.
Publicado originalmente em: http://protestantedigital.com/blogs/44522/La_inflexible_intolerancia